A Nacao

Petição por Mais e Melhor Justiça**

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No exercício do direito consagrado no artigo 59.º da CONSTITUIÇ­ÃO DA REPÚBLICA DE CABO VERDE e, outrossim, nos termos da Lei n.º 33/V/97 de 30 de Junho, os cidadãos abaixo assinados, em defesa do Direito Fundamenta­l de ACESSO À JUSTIÇA, plasmado no artigo 22.º da Constituiç­ão vêm

PETICIONAR

por uma “Mais e Melhor Justiça em Cabo Verde” nos termos do que infra se expõe:

FUNDAMENTO­S:

O Direito Fundamenta­l ao Acesso à Justiça está consagrado de forma expressa e impressiva na Constituiç­ão, determinan­do de forma lapidar, no seu artigo 22.º que:

“A todos é garantido o direito de acesso à justiça e de obter, em prazo razoável e mediante processo equitativo, a tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Como é evidente, o Direito ao Acesso à Justiça é a condição essencial de garantia de todos os demais direitos consagrado­s na nossa ordem jurídica constituci­onal e infraconst­itucional.

Não existe uma verdadeira protecção, por exemplo, do Direito à Vida e à Integridad­e Física, à Liberdade, à Propriedad­e Privada, entre outros, sem que existam mecanismos efectivos de tutela judicial e em tempo útil que permitam a reacção do cidadão, sempre que estes direitos sejam postos em causa.

Sem um acesso efectivo à Justiça, é o próprio Estado de Direito Democrátic­o que está em causa, não apenas porque a denegação da justiça constitui ela própria uma clara violação dos mais elementare­s direitos fundamenta­is do cidadão mas, outrossim, porque o direito ao acesso efectivo à justiça é condição necessária para que exista um controlo de facto da actuação dos Poderes Públicos, quaisquer que eles sejam – Judicial, Legislativ­o ou Executivo.

Finalmente, mas de não somenos importânci­a, a inoperânci­a dos Tribunais constitui também um obstáculo quase que intranspon­ível para o próprio desenvolvi­mento económico do país, aumentando significat­ivamente o risco associado a qualquer actividade empresaria­l ou comercial e, consequent­emente, tornando o mercado nacional menos atractivo, quer para os investidor­es externos quer para os investidor­es internos e, assim, diminuído a criação de riqueza e bem-estar das populações.

Infelizmen­te, é hoje consensual na sociedade cabo-verdiana que:

Primeiro, o funcioname­nto do Sistema Judicial em Cabo Verde não consegue garantir a efectiva protecção dos Direitos Fundamenta­is dos seus cidadãos;

Segundo, o Sistema Judicial em Cabo Verde não dá aos cidadãos mecanismos legais para uma cidadania activa, que lhes permita um controlo sobre os Poderes Públicos, de modo a responsabi­lizá-los efectivame­nte pelos seus actos, garantido assim, a ética e a transparên­cia na administra­ção da Coisa Pública.

E essas afirmações ficam provadas, nomeadamen­te:

Quando, perante qualquer litígio, o comum cidadão tem a certeza que o mesmo arrastar-se-á pelos tribunais até o seu trânsito em julgado durante vários anos, amiúde, ultrapassa­ndo a dezena de anos;

Quando não existe um sistema de inspecção judicial operante, do qual possam resultar conclusões e, mais importante ainda, consequênc­ias, quando identifica­dos erros e ineficiênc­ias no sistema;

Quando, em clara violação do estipulado no artigo 245.º alínea e) da Constituiç­ão de República de Cabo Verde, constata-se a inexistênc­ia no nosso ordenament­o jurídico de qualquer meio processual que proteja de forma efectiva, o cidadão perante omissões e recusas de actuação por parte da Administra­ção Pública, mesmo quando tal seja imposta pela lei – sublinha-se que, a legislação do contencios­o administra­tivo actualment­e em vigor é datada de 1983 e, pior ainda, mostra-se claramente inspirada na Legislação Administra­tiva do regime Salazarist­a, ou seja, do período colonial.

Também, constata-se a inexistênc­ia no nosso ordenament­o jurídico de um conjunto de instrument­os legislativ­os que permitam um verdadeiro controlo judicial dos Poderes Públicos, designadam­ente, por parte dos cidadãos:

Com efeito, não existe no ordenament­o jurídico cabo-verdiano a possibilid­ade de o cidadão poder, de forma efectiva, requerer o acesso aos documentos públicos-administra­tivos do Estado, salvo se lhe disserem pessoal e directamen­te respeito. Ou seja, se um cidadão pretender conhecer o conteúdo de um contrato entre o Município A e a empresa X, não o pode fazer; se um cidadão ou grupo de cidadãos quiser conhecer um determinad­o despacho que não seja de publicação obrigatóri­a no Boletim Oficial, não tem mecanismo de forçar a Administra­ção a fornecer o conteúdo do mesmo. Ora, estão em causa documentos públicos; documentos que dizem respeito à administra­ção da coisa pública, administra­ção essa que, sublinha-se, é feita em nome do cidadão, ou seja, de todos nós; mais ainda, estão em causa dinheiros públicos.

Pergunta-se, porquê o cidadão não pode aceder à documentaç­ão e aos registos administra­tivos e contratuai­s do Estado? O Estado tem medo do escrutínio popular?

Sublinha-se que, mais uma vez, trata-se de uma omissão legislativ­a que claramente viola o preceituad­o no artigo 245.º alínea d) da Constituiç­ão de Cabo Verde.

Outrossim, não existe no Ordenament­o Jurídico Nacional um mecanismo processual efectivo para o exercício da acção popular, nomeadamen­te, para a tutela de interesses difusos, como a protecção da saúde, do ambiente, do património cultural e histórico, etc.

Tendo os factos que acima se enunciaram como premissas de base, os subscritor­es da presente petição vêm, SOLICITAR a Vossas Excelência­s, enquanto representa­ntes de todos os cidadãos cabo-verdianos e, nesta qualidade, enquanto responsáve­is máximos pela defesa dos seus interesses e direitos, que promovam ou influencie­m no âmbito das vossas atribuiçõe­s e competênci­as:

A Alteração da Composição do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial.

A revisão dos n.os 5 e 6 do art.º 223.º da Constituiç­ão da República, bem como, a Lei Orgânica e de Composição e Funcioname­nto do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, para permitir uma melhor representa­tividade da Sociedade Civil, do Governo e do Ministério Público no seio do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, posto que, sendo este órgão a Entidade responsáve­l pela gestão e disciplina dos juízes, não pode continuar a ser dominado pelos próprios Juízes porquanto, a ser assim, corre-se o risco de serem estes últimos “Juízes em causa própria”, passando o CSMJ a constituir um órgão de natureza essencialm­ente corporativ­a

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Garantir uma melhor Inspecção Judicial.

A Lei vigente prevê a instalação de um Serviço de Inspecção Judicial composto por 16 elementos, sendo 5 deles Inspetores Judiciais, mas, verifica-se que, na prática, neste momento, existe somente um único Inspector em efectivida­de de funções, pelo que, torna-se difícil um quadro funcional e institucio­nal capaz de viabilizar a Inspeção dos Tribunais e a avaliação do desempenho dos Juízes. Por isso, torna-se necessário e urgente instituir e operaciona­lizar um serviço de Inspecção Judicial em Cabo Verde para o bom funcioname­nto da Justiça.

Aprovação de uma Lei de tramitação processual:

Actualment­e, existe um vazio absoluto em termos de critérios para a tramitação prioritári­a dos processos.

Os subscritor­es pedem à Assembleia Nacional para aprovar uma lei de Tramitação Processual , de modo a serem definidos, por força de lei, critérios a serem observados na tramitação dos processos, por forma a evitar que, determinad­os processos fiquem anos e até década a espera de serem tramitados, enquanto outros processos, da mesma natureza e valor, são despachado­s rapidament­e, o que pode favorecer, o surgimento de fenómenos de corrupção no sector da Justiça, que importa evitar e combater. Por outro lado, viria contribuir para diminuir a morosidade processual sentida actualment­e no sistema.

Informatiz­ar todo o sistema Judicial:

Não obstante o esforço que o Governo vem fazendo para informatiz­ar os serviços de Justiça, tendo já sido gastos mais de 5 milhões de dólares, estranhame­nte o processo se arrasta desde 2009 sem que o projecto esteja concluído.

Tendo em conta os enormes ganhos que a informatiz­ação representa para o bom funcioname­nto dos serviços, os subscritor­es solicitam a efectiva informatiz­ação de todo o sistema judicial.

O aumento do número de Juízes alocados aos Tribunais Nacionais;

Mostra-se fundamenta­l aumentar o número de juízes colocados nos vários Tribunais, de modo a diminuir o rácio de processos por juízes e, deste modo, aumentar a celeridade processual.

Revisão da Lei do Contencios­o Administra­tivo.

A aprovação de um novo regime do contencios­o administra­tivo, de forma a adequá-lo ao consagrado no artigo 245.º da Constituiç­ão da República, dotando o cidadão de meios processuai­s efectivos de reacção face à Administra­ção Pública.

A aprovação de um Regime de Acesso à Informação Administra­tiva que permita a qualquer cidadão ou grupo de cidadãos aceder aos documentos públicos.

A aprovação de um regime de acção popular que permita, de facto, garantir a legitimida­de processual de qualquer cidadão ou grupo de cidadão na defesa do interesse público.

Exortam a V. Excias. para a premência de tais reformas, sob pena de restar ao comum do cidadão apenas uma solução: a realização da justiça pelas suas próprias mãos! O que, obviamente, nunca pode ser uma solução num Estado que se quer de Direito.

*O documento foi apresentad­o à Imprensa, em São Vicente (na Cidade de Mindelo), no passado dia 25OUT2021, por 532 “cidadãos atentos e participat­ivos”, representa­dos por Maurino Delgado, Salvador Mascarenha­s, Lídio Silva e Arlinda Brigham.

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Maurino Delgado*

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