Ulisses “insiste” nas despesas com viagens
Em defesa da sua dama, Ulisses Correia e Silva procurou, na semana passada, durante o debate sobre o Orçamento do Estado, desmontar a informação que o Estado reservou mais de 600 mil contos para viagens em 2022. Valeu Orlando Dias, deputado do MpD, além de outras vozes, da oposição, lembrarem da premente necessidade de uma efectiva reforma da máquina pública. Por mais quanto tempo poderão os contribuintes continuar a sustentar o Estado gordo, gastador e ineficiente que lhes coube na roda da vida?
Acontrovérsia das verbas destinadas às viagens dos titulares de cargos públicos, com realce para governantes e gestores de empresas públicas e institutos, continua. Criticado, diante dos 630 mil contos inscritos no Orçamento do Estado para 2022, destinados a viagens, o primeiro-ministro procurou, durante o debate parlamentar sobre o assunto, dar a volta à questão.
Em defesa do seu governo, constituído por 28 integrantes, Ulisses Correia e Silva apontou que os referidos 630 mil contos para viagens não se destinam apenas aos membros do Executivo, mas também a outros órgãos de soberania, com realce para a Presidência da República e Assembleia Nacional.
No seu artigo da semana passada, em nenhum momento A NAÇÃO escreveu que o referido montante se destinava, exclusivamente, aos membros do Governo. O que aqui se escreveu é que diante do cenário de crise social e económica, imposta largamente pela pandemia da covid-19, a proposta do OE “faz claramente uma opção para continuar a financiar as ineficiências e desperdícios do Estado”, realçando a nossa fonte que “610 mil contos se destinam à rubrica deslocações e estadas.
Fora isso, 1,6 milhões de contos são para a assistência técnica não residentes e 1,7 milhões de contos para residentes”. E, continuando, também se escreveu que as remunerações do pessoal dos quadros especiais “totalizam 560 mil contos, o pessoal contratado afecto aos programas de gestão e apoio recebem cerca de 748 mil contos, os partidos políticos vão receber 74 mil contos, enquanto para os benefícios de assistência social é alocado cerca de 790 mil contos”.
Na sua fuga em frente, UCS acusou o PAICV de estar “a reproduzir um discurso de que os 630 mil contos inscritos nesse Orçamento, representam deslocações dos membros do Governo. É uma manipulação grosseira dos dados e dos números”, defendeu-se o chefe do Executivo.
“O Estado abrange o Governo, a Administração Pública, os órgãos de soberania, mais setores como a saúde, a justiça, a educação, inspeções, regulação. Portanto, é preciso esclarecer os dados, os números e fazer leituras correctas”, lembrou UCS.
“Relativamente às despesas de deslocações e estadias: a Assembleia Nacional gasta por ano, no OE2022, 140 mil contos; a Presidência da República - 15 mil contos; os gabinetes dos membros do Governo 85 mil contos, em representação do Estado de Cabo Verde, e depois, há deslocações do sector da Saúde, Segurança, Polícia Nacional, Judiciária, Inspeção, Educação, Regulação. Não é o Primeiro-ministro, nem os membros do Governo que gastam 630 mil contos. Este montante está no Parlamento, na Presidência da República, no Governo e na Administração Pública”, sublinhou.
Governo gordo
Sobre o Governo “gordo” e “ineficiente”, UCS não apresentou, no debate, grandes justi
ficações sobre essa sua opção. Ao arrepio daquilo que chegou a defender em 2016, afirmou que logo após a tomada de posse dos membros do Governo, no passado mês de Maio, que o executivo “gerará alguma despesa a mais, mas trará mais eficácia”.
Com a saída de Paulo Veiga, do Ministério da Economia Marítima, o Governo é composto por 27 membros, contra os 20 que iniciaram a legislatura anterior, com o número de mulheres a subir de quatro para nove. Jorge Santos, anterior presidente do Parlamento, foi chamado à última hora para o Ministério das Comunidades, depois de ver a sua candidatura à presidência do Parlamento inviabilizada.
O PAICV, maior partido da oposição, acusou, na altura, o primeiro-ministro de formar “o Governo mais gordo da história” do país, de 28 elementos, que irá custar mais 400 mil contos.
Esta solução de UCS, conforme o líder do Grupo Parlamentar do PAICV, João Baptista Pereira, “se configura mais grave ainda quando se sabe que num contexto económico e social totalmente diferente, em 2016, vossa excelência prometeu aos cabo-verdianos (na legislatura anterior) formar um Governo pequeno, com o máximo de entre a dez a 12 ministros, incluindo o chefe do Governo, traduzido numa poupança de mais de 200 mil contos por ano a serem aplicados no financiamento do Rendimento Social de Inclusão”.
“Se seguir este raciocínio e se havia razão para que aquela pomposa declaração de intenção, rapidamente se conclui que vossa excelência estará hoje a retirar recursos de inclusão social para alimentar o alargamento do seu Governo”, acusou.
Gastos públicos sem solução à vista
O ex-governador do Banco de Cabo Verde e antigo ministro das Finanças, João Serra, considera, num artigo de opinião publicado neste número do A NAÇÃO (pag. xxx), que, na proposta do OE para 2022, “não se desvenda” nenhum esforço de racionalização e contenção das despesas de funcionamento do Estado.
“Antes pelo contrário: mesmo perante uma forte redução das receitas públicas desde 2020, as despesas públicas correntes praticamente não diminuem relativamente ao Orçamento Retificativo de 2021, devendo reduzir-se apenas 2,2%, enquanto que o investimento público sofre uma contração muito mais acentuada, de 6,3%. Portanto, é um Orçamento demasiado sustentado naquilo que é, não o investimento público, mas sim o consumo público ao nível das despesas de funcionamento”, realça.
João Serra afirma ainda que, caso o OE 2022 fora aprovado nos termos propostos “vai sobrecarregar as famílias e as empresas com um enorme aumento da carga fiscal (IVA, DI), numa altura em que os cabo-verdianos já estão a viver uma escalada generalizada de preços, e a inflação sobe”.
Este economista chama a atenção do facto de a inflação ser um imposto escondido, que faz com que as pessoas percam o poder de compra: “Na verdade, as medidas de política fiscal para atenuar os impactos do aumento da tarifa da eletricidade, constantes da proposta de OE2022, muito pouco contribuirão para o alívio do aumento generalizado dos preços, em que apenas os combustíveis já acumularam um aumento de 60,7% de outubro de 2020 a outubro de 2021 e de 22,4% ao longo do ano de 2021”.
Para João Serra, o aumento de 10% sobre o direito de importação do gasóleo “é absolutamente uma má medida” face aos “aumentos brutais” dos preços dos combustíveis. “Também o é, o aumento do IVA de 15 para 17%, num contexto da existência de um aumento generalizado de preços”.