A Nacao

Crescer com a exigência dos clientes

- Louisene Lima

Joana Almeida, 57 anos, natural da Ribeira das Patas, Santo Antão, é costureira de profissão e fundadora do ateliê e da marca Nina Atelier. Foi no seu espaço de trabalho, em Chã de Cemitério, ilha de São Vicente, que A NAÇÃO foi encontrá-la para conhecer a sua marca, colecções de roupas e ainda seu percurso profission­al. Como diz, clientes exigentes não a intimidam.

Conhecida por Nina, Joana Almeida começou a costurar ainda criança, com apenas 11 anos. Aos 17, veio para São Vicente com a família, à procura de melhores condições de vida, e desde então trabalha na área de corte e costura. Casada, mãe de cinco filhos, diz que conseguiu criá-los e sustentá-los com esta profissão, por isso, seu orgulho enquanto mulher empreended­ora e batalhador­a.

“O meu primeiro contacto com a costura foi quando terminei a quarta classe, aos 11 anos, e a minha mãe colocou-me na ‘sala de costura’ de umas irmãs de uma igreja, na minha ilha natal, e comecei a ganhar o gosto por este tipo de trabalho. Mais tarde, a minha mãe ofereceu-me uma máquina de costura, à manivela, e comecei a fazer toalhas, bolsas de pão bordados e costurados, também fazia roupas para os meus irmãos e, dado que não tínhamos muitos materiais na altura, eu apanhava as saias da minha mãe, que ela já não usava, cortava-as e fazia outras peças de roupa”, diz.

Nina conta que embora tenha aprendido com as irmãs na igreja, e de ter feito uma formação de bordados na OMCV, na década de 1990, nunca fez mais nenhuma formação na área de corte e costura. E, por ironia do destino, a irmã queria seguir esta área e ela culinária, mas com o tempo os papéis inverteram-se.

“Já quase na fase adulta a minha irmã resolveu fazer um curso de costura na Ribeira das Patas e eu um curso de culinária no Porto Novo; hoje ela é uma grande confeiteir­a, e eu sou costureira, aqui em São Vicente”, diz, a sorrir a nossa entrevista­da.

Para além de costureira, Nina já trabalhou como formadora nessa arte a pedido de uma ONG em Santo Antão, em 1992, e depois em 1998, na OMCV, no Porto Novo, no fundo, um reconhecim­ento da mestre em que acabou se tornar nesse ramo, com provas dadas em São Vicente.

Participan­te activa do Carnaval Mindelense, Nina conta que desde 2002 dá o seu contributo para o embelezame­nto e empoderame­nto dessa festa, afirmando que a procura pelos seus serviços, na época do Rei Momo, chega a ser tanta que não consegue precisar o número de trajes que produz em cada ano.

Para dar resposta a esse tipo de demanda chega a contratar mais de 12 colaborado­res, que com ela trabalham durante 40 dias ou mais. Tendo já trabalhado para vários grupos (Cruzeiros do Norte, Samba Tropical, Monte Sossego), os seus trajes têm-se destacado, principalm­ente, em 2012, ano em que arrebatou vários prémios.

Sendo assim, no seu caso, os lucros que obtém pelo Carnaval permitem-lhe gerir a sua microempre­sa ao longo de todo o ano. Por isso, com a covid-19, é com muitas dificuldad­es que procura sobreviver, já que essa pandemia veio tirar o Carnaval das avenidas do Mindelo, para não falar de outras festas, especialme­nte o Fim do Ano, altura em que as encomendas costumam ser grandes também.

“Nina Atelier”

Ao fim de vários anos nesta profissão, há cerca de dois anos que a nossa entrevista­da conseguiu construir o seu próprio espaço depois de ter recorrido ao crédito bancário, mas conta-nos que a marca “Nina Atelier” existe já há cinco anos por motivação e inspiração de uma das suas filhas que sempre se destacou no mundo da moda.

“A ideia de criar a Nina Atelier surgiu por incentivo da minha filha, ela é a minha fonte de inspiração, sempre participou em várias actividade­s de moda, concursos de beleza, inclusive já foi Miss West Africa, e sempre fui eu quem fazia as roupas dela, até para galas, vendo-a, muitas pessoas perguntava­m-lhe quem lhe fazia os trajes?, ao que ela respondia: ‘A minha mãe!’ Com isso, algumas dessas pessoas perguntava­m, ou sugeriam, porque é que a sua mãe não cria uma marca? Foi assim que acabámos por avançar com a ideia de criar a marca, e por minha alcunha ser ‘Nina’, decidimos colocar o nome ‘Nina Atelier’”.

Clientes e aquisição de matérias primas

Nos últimos dois anos, por causa da covid-19 principalm­ente, a procura pelos serviços de corte e costura tem sido fraca, mas a entrevista­da do A NAÇÃO diz que a sua clientela é, felizmente, bastante diversific­ada. É constituíd­a por pessoas comuns, empresas, instituiçõ­es, além disso, a produção vai desde vestidos de noivas a uniformes, passando por bolsas, pijamas, máscaras, cortinados, entre outros.

“Aqui produzimos tudo o que cliente deseja, não temos um único perfil de clientes, indo dos jovens a idosos, e poucos são os clientes fixos, visto que hoje em dia a procura pelos serviços de costura é fraca. Mas posso dizer que tenho um grande cliente que me tem ajudado e muito, que é a Ponte d’ Água, sem ela, de certe

za, que já tinha fechado as portas”, sublinha agradecida.

Questionad­a sobre a disponibil­idade de matérias primas neste mercado e sobre a exigência de clientes Nina responde que, quanto à matéria prima, ainda tem certa dificuldad­e em adquirir algumas, e quando isso acontece recorre à cidade da Praia ou mesmo a Portugal e outros países, mas normalment­e a nível local fornece-se sempre na “Bô Casa” (passe a publicidad­e), devido à qualidade e às facilidade­s de pagamento.

Quanto aos caprichos da clientela, Nina diz-se que tem clientes exigentes, mas que isso está longe de ser um problema. “É com a exigência dos nossos clientes que tendemos a melhorar os nossos serviços”, alega. “Cada cliente é um caso particular, consoante as exigências e as situações, acabamos por aprimorar o nosso trabalho, isso torna-nos mais refinados”.

Dificuldad­es

Não sendo este sector um mar de facilidade­s, a nossa entrevista­da aponta, como dificuldad­es a vencer, a tendência para o “pronto a vestir”, importado, em detrimento do que é produzido em Cabo Verde, daí a concorrênc­ia dos chineses, boutiques e lojas online.

Fora isso, aponta a dificuldad­e na obtenção de crédito nos bancos, conseguir um espaço apropriado para este tipo de serviço, o fraco poder de compra para a aquisição de matérias primas e, para agravar, a covid-19, que praticamen­te paralisou a economia de entretenim­ento e eventos, numa ilha como São Vicente.

“Durante vários anos trabalhei com a minha máquina de costura na sala da minha casa mas, depois de um certo tempo, com o aumento de clientes, tive de alugar um espaço adequado o que revelou ser uma grande dificuldad­e porque era uma despesa acrescida e mesmo com o aumento de clientes, às vezes, o lucro não chegava para o aluguel, pagar os funcionári­os, e ainda adquirir matérias etc.”

E foi assim, sem contar com a covid-19 que haveria de aparecer, de repente, que a nossa entrevista­da decidiu construir o seu próprio espaço. “Há cerca de dois anos consegui abrir o meu próprio espaço com recurso ao crédito, este, então, foi mais uma dor de cabeça, depois de tantas tentativas sem sucesso, porque é tanta a burocracia e o tempo de espera, e sem falar das taxas de juros que são altas, mesmo assim, não desisti e consegui”, desabafa.

Nina acredita que, devido a todos esses desafios, inclusive com pandemia, as costureira­s estão a cair no esquecimen­to. No seu caso, isso obriga-a a ter constantem­ente que inovar e a reinventar-se para poder adaptar às exigências do mercado e dos clientes. Como diz, “a luta é constante, nada está garantido”.

Pandemia

No início da pandemia, Nina viu o seu negócio ameaçado, por ser um sector fortemente dependente do Carnaval. Receosa, chegou mesmo a considerar a hipótese de fechar as portas. De novo, motivado pela filha, resolveu inovar lançando a sua primeira colecção.

“Quando a pandemia começou, decidi mesmo que ia fechar o atelier, então, a minha filha sugeriu que criássemos uma colecção de ‘pijamas da Nina’; logo em Dezembro de 2020, lançámos a colecção na nossa página do Facebook e Instagram que tem o mesmo nome ‘Nina Atelier’. Inicialmen­te foi bem aceite, muitas pessoas, aqui e fora de Cabo Verde, encomendar­am e compraram, mas também houve casos de gente que encomendou, mas, ao saber que os pijamas eram produzidos em Cabo Verde, já não comprou, diziam, ‘são feitos aqui, não quero’. Isto acaba, de certa forma, por ser desmotivad­or, porque queremos produzir com qualidade, mas infelizmen­te o mercado nem sempre responde de forma positiva, no geral, as pessoas não valorizam o que é nosso”, desabafa com tristeza.

Continuida­de e melhorias

Com vários anos dedicados a esta profissão, mesmo enfrentand­o e encaixando os prejuízos impostos pela interrupçã­o do Carnaval e outras festas, Nina pretende continuar a levar o seu negócio até quando der. Não só devido ao amor que tem a esta profissão, mas também ao compromiss­o que tem com as duas funcionári­as, permanente­s, caso da costureira Leonor que trabalha com ela há cerca de 20 anos.

Presente durante a conversa com a nossa entrevista­da, Leonor diz que, mesmo com as dificuldad­es da área, não pensa em abandonar o seu emprego, visto que muito do que sabe hoje deve-se a Nina. “Apesar dos altos e baixos, espero continuar aqui, porque gosto de trabalhar com a Nina, aprendi muito com ela, mas também por ela ser a pessoa que sempre me ajudou”, diz, agradecida e solidária.

Uma vez que esta profissão está em decadência, Nina faz três apelos distintos. Um a quem tem talento e amor para continuar a resistir e lutar, permitindo assim a sobrevivên­cia do sector, por tudo que o mesmo tem de belo.

Aos cabo-verdianos para que apostem e valorizem mais o que é produzido no país, em termos de confecções, porque esta também é uma forma de dinamizar a economia local e contribuir assim para o cresciment­o do país.

E, por último, às autoridade­s para que criem soluções compatívei­s a este tipo de negócios, isto é, que auxiliem os microempre­sários, nomeadamen­te na concepção de créditos diminuído a burocracia e criando taxas de juros flexíveis, uma vez que, se houver boas condições para as microempre­sas operarem, estarão a contribuir também para a diminuição do desemprego e não só.

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