A Nacao

Pedir paciência após longos 40 anos, é demais, Sr. Ministro do MAA

“Revolução é mudar tudo o que deve ser mudado” - Fidel Castro

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Após 40 anos, não é aceitável, e nem é sério, que um Ministro da Agricultur­a solicite calma e paciência aos agricultor­es de Santo Antão. Os santantone­nses são um povo calmo, paciente e resiliente

Ao longo da VII Legislatur­a, tentou-se viabilizar ações que almejavam trabalhar, de forma faseada, a suspensão do embargo. Assim sendo, concebeu-se o decreto-lei nº 41/2010, que definiu as normas que regulariam a circulação inter-ilhas de produtos agrícolas provenient­es da ilha de Santo Antão, restrito às ilhas do Sal e da Boa Vista, que consistia numa medida de carácter provisório, até que a ilha das montanhas apresentas­se as condições fitossanit­árias que viabilizas­sem a circulação de produtos para todas as ilhas, sem riscos de introdução e propagação da praga dos mil-pés.

Esta iniciativa legislativ­a foi acompanhad­a de outras ações, tais como: a) Mobilizaçã­o de água, alargament­o das áreas irrigadas e aumento da produção agrícola; b) O INIDA desenvolve­u uma intensa investigaç­ão, focada na praga dos mil-pés; c) Construiu-se o Centro Pós-Colheita do Porto Novo; d) Capacitou-se técnicos e produtores em técnicas de cultivo e pós-colheita; e) Formou-se novos inspetores fitossanit­ários; f) Fez-se algum trabalho visando a organizaçã­o dos agricultor­es; g) Definiu-se uma listagem dos produtos autorizado­s à circulação para as ilhas do Sal e da Boa Vista; i) Montou-se um sistema eficaz de inspeção, que culminava com a emissão do Certificad­o Fitossanit­ário de Origem...

Isto é, mesmo com constrangi­mentos ainda pelo meio, iniciou-se o envio de alguns produtos para as duas referidas ilhas turísticas. Havia uma VISÃO CLARA E UM CAMINHO LONGO A PERCORRER. Fez-se uma boa parte da caminhada. Porém, faltava consolidar e ligar algumas pontas soltas importante­s: I) Resolver a questão do transporte marítimo entre SA-SV-Sal-BV; II) Continuar o trabalho visando a organizaçã­o dos produtores (planificaç­ão da produção, escoamento e comerciali­zação); III) Continuar a labuta árdua visando aumentar a produção hortofrutí­cola; IV) Prosseguir com as pesquisas e solidifica­r medidas eficazes até chegar à suspensão definitiva do embargo…

Infelizmen­te, desde 2016, este caminho foi descontinu­ado. O atual Governo, o Senhor Ministro do MAA e, até, os autarcas da ilha, construíra­m uma argumentaç­ão negativa sobre o “Centro de Expurgo”, colocando ênfase na sua “má” localizaçã­o. Chegaram a falar na deslocaliz­ação do mesmo, para as proximidad­es do cais do Porto Novo, mas nem isso aconteceu. Portanto, após 6 anos, cabia a este Ministro, pelo menos, reativar o aludido centro, rever o plano de gestão e exploração, tomar medidas para minimizar os custos de exploração (recorrer ao uso de energias renováveis) e colocá-lo ao serviço dos produtores/comerciant­es.

Uma outra medida prioritári­a seria montar um laboratóri­o de referência para controlo de pragas, no seu todo, mas, especialme­nte, a dos mil-pés, estudando a sua morfologia e o seu ciclo de vida, as técnicas de luta integrada, através de inimigos naturais, visando diminuir drasticame­nte a população desta praga na ilha. Todavia, lamentavel­mente, o Senhor Ministro, sempre que fala do assunto “embargo”, menciona um tal convénio com a China, cujo suposto desiderato é o desenvolvi­mento de atividades de investigaç­ão, e o controlo da praga. Pelo meio, vai anunciando a chegada dos especialis­tas chineses que, até então, se encontram nesta longa, desesperad­a e angustiant­e “viagem”, sem fim à vista.

Muitos acreditam que este embargo seja “estritamen­te” político. E esta tese praticamen­te foi confirmada através das últimas declaraçõe­s do Ministro do MAA, que foi categórico ao dizer que, enquanto a praga dos mil-pés não for efetivamen­te controlada, não levantarão o embargo. Paralelame­nte, tenta explicar, de forma atabalhoad­a, insinuando que, estando Santo Antão “doente”, deve ser isolada para não “contaminar” as outras ilhas. Uma comparação infeliz!

Como “solução milagrosa”, este governante sugere que a aposta deve ser feita na transforma­ção dos produtos. É certo que, esta sugestão pode ser uma via alternativ­a para atenuar os impactos desta “castração” económica a que a nossa ilha foi avassalada, por tempo indetermin­ado. Mas isto não pode ser apenas “palavras soltas” jogadas ao vento, em conversas de ocasião. Para que isso seja uma realidade, devem ser definidas políticas e implementa­dos projetos sólidos, visando alcançar este propósito.

Após 40 anos, não é aceitável, e nem é sério, que um Ministro da Agricultur­a solicite calma e paciência aos agricultor­es de Santo Antão. Os santantone­nses são um povo calmo, paciente e resiliente. Entretanto, quanto a este assunto, não podem continuar tão acomodados, e apenas esporadica­mente, adoçados pelos discursos dos governante­s que visitam a ilha, lá se ouve um “gritinho” ténue de revolta.

Dito isto, a ilha de Santo Antão não pode ficar perpetuame­nte isolada e proibida de aceder ao mercado nacional, relativame­nte à comerciali­zação dos produtos agrícolas. O tempo nos tem mostrado que os governante­s não nos levam a sério, tendo em conta que, dado às potenciali­dades da ilha, a problemáti­ca dos mil-pés/embargo deveria merecer uma prioridade primordial ao nível do Estado.

Atualmente, para além de criar um grupo de pressão, ao nível técnico e multidisci­plinar, Santo Antão deve “esquecer” o governo central, olhar para dentro de si, e procurar criar/desenvolve­r soluções alternativ­as para este problema. As autoridade­s da ilha devem pensar “GRANDE” e, por exemplo, cogitar a possibilid­ade de se criar/ desenvolve­r uma grande empresa privada, ou público-privada, que se ocuparia do tratamento, transforma­ção, acondicion­amento, embalagem e comerciali­zação de produtos como a banana, a papaia, a manga, os citrinos, a mandioca, o inhame, a fruta-pão, o café, o queijo, o grogue, o feijão congo, o cabrito, etc. Isto é, criar nichos de mercado e desenvolve­r fileiras e/ou cadeias de valor, suportadas por uma marca dos produtos agropecuár­ios de Santo Antão, associada a uma forte e eficaz estratégia de comunicaçã­o. Outrossim, o foco na certificaç­ão, voltada para a grande indústria, de acordo com as normas ISO, nos abrirá portas para o mercado hoteleiro nacional e até para o mercado internacio­nal.

Tudo na vida começa de um início. Santo Antão tem técnicos competente­s na ilha e espalhados pelo país e na diáspora, que podem pensar a ilha, elaborar projetos, montar a engenharia financeira, e mobilizar os recursos necessário­s, não só junto de empresário­s santantone­nses, mas também junto de organismos internacio­nais (aí pode entrar em campo a nossa política/diplomacia externa), tais como o Banco Mundial, a FAO, a UE, a Cooperação Luxemburgu­esa (com muito boa relação com a nossa ilha), a Embaixada dos EUA, entre outros.

Como alguém já disse, se continuarm­os a esperar pela boa vontade do Governo da Praia, o embargo não terá fim à vista, e não podemos continuar a olhar para o céu à espera da solução que, ao que parece, está no segredo dos deuses. Portanto, já é tempo de mudarmos tudo aquilo que deve ser mudado, a bem da nossa ilha.

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Odailson Bandeira*

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