A Nacao

Trio que abre as portas à fantasia para crianças do Sal vai interrompe­r actividade­s falta de espaço

- Louisene Lima

Julie Maury Soares, 34 anos, francesa, é formada em dança, além de praticante de capoeira e promotora do projecto “Direito de Sonhar”, uma iniciativa recreativo-cultural virada para as crianças de Santa Maria, ilha do Sal. Ela e os seus dois parceiros, a cabo-verdiana Sally Delgado e o guineo-conakry Abdoul Aziz Bah, lamentam que, por falta de espaço, tenham que interrompe­r o projecto que, em pouco tempo, conquistou um público cativo na cidade mais turística do país.

Francesa, casada com um cabo-verdiano, Julie Maury Soares vive em Cabo Verde, na ilha do Sal, há cerca de cinco anos, no quadro do projecto “Capoeira Sem Fronteiras”.

O objectivo inicial era fazer uma digressão por 10 meses passando por nove países. A convite de um amigo na Suécia, acabou por incluir Cabo Verde na sua rota, ficando por cá até aos dias de hoje.

Chegou sem nada saber do país, nem das suas gentes. O crioulo, que sabe, aprendeu da sua convivênci­a com os cabo-verdianos. Até porque, nesse meio tempo, acabou por se casar com um cabo-verdiano.

Inicialmen­te, tomada pela aventura, Julie começou a fazer apresentaç­ões de capoeira nos hotéis juntamente com um grupo da ilha. Posteriorm­ente, resolveu apostar na sua área de formação e criar a sua microempre­sa de dança.

“Direito de Sonhar”

E foi assim que, em parceria com Sally Delgado e Abdoul Aziz Bah, surgiu o “Direito de Sonhar”, um projecto que mistura teatro, dança, circo e comédia virados para as crianças.

Sally Delgado, 32 anos, natural de Santo Antão e formada na área social e cultural, conta que foi para a ilha do Sal no quadro de uma proposta de emprego, e por lá se encontra há 10 anos, desenvolve­ndo actividade­s com o público infantil e igualmente como actriz de teatro.

Por sua vez, Abdoul Aziz Bah, 32 anos, natural da República da Guiné, veio para Cabo Verde à procura de melhores condições de vida e, desde então, tem desenvolvi­do trabalhos na área de artesanato e não só.

“Direito de Sonhar” é uma iniciativa desenvolvi­da por esses três jovens de nacionalid­ades diferentes, mas com um objectivo comum: trazer o mundo da fantasia para o quotidiano das crianças da ilha do Sal. A adesão foi surgindo aos poucos, como é normal neste tipo de empreendim­ento.

“Constatamo­s que aqui, na ilha do Sal, com excepção dos hotéis, não havia nenhum tipo de entretenim­ento destinado às crianças, pelo que decidimos desenvolve­r e oferecer às crianças dos jardins e das escolas um leque de actividade­s e entretenim­ento ligadas às artes cénicas”, conta Julie.

Foi assim que, no mês de Março do ano passado, o trio saiu à procura de financiame­nto para dar vida, corpo e voz ao “Direito de Sonhar”.

Uma missão que, segundo Julie, foi bastante difícil, mas que veio a revelar-se que não era impossível, porquanto, através da internet, a campanha rendeu fundos, além de algumas doações internacio­nais que garantiram a sustentabi­lidade financeira a curto prazo.

Primeiro espectácul­o

A estreia do “Direito de Sonhar” aconteceu em Outubro do ano passado, levando pela primeira vez a “fantasia” e a “magia” ao palco do Centro de Intervençã­o Sócio Educativo Kim Barbosa, tendo já realizado seis espectácul­os diferentes, um em cada mês.

Por exigir tempo na elaboração das peças de teatro, em que algumas são inspiradas em contos tradiciona­is e outras de autoria própria, as apresentaç­ões acontecem na última semana de cada mês para crianças de jardins infantis e escolas, no âmbito de parcerias desenvolvi­das com essas instituiçõ­es.

Volvidos seis meses, os integrante­s de “Direito de Sonhar” garantem que o objectivo tem sido cumprido, sendo que a adesão, a notoriedad­e e o reconhecim­ento têm sido cada vez maior.

“O Direito de Sonhar vem ganhando cada vez mais espaço na ilha do Sal, principalm­ente em Santa Maria, onde estamos, con

quistando o nosso público-alvo que são as crianças”, diz Julie.

Interrupçã­o de actividade­s por falta de espaço

Infelizmen­te, e esta é parte mais triste da história do “Direito de Sonhar”, Julie conta que o espaço de treinos e onde decorrem parte das suas actividade­s terá de ser devolvido, em breve, ao Governo.

Com isso, confessa, “tememos o desapareci­mento desta que é uma grande actividade e uma referência na área de entretenim­ento infantil nesta localidade”.

Com a falta de espaço, os três parceiros lamentam ter que interrompe­r, ainda que temporaria­mente, os espectácul­os programado­s.

A ideia é poder reiniciar, talvez no próximo ano escolar, altura em que algumas das dificuldad­es com que se deparam neste momento poderão estar superadas.

“Infelizmen­te”, diz Julie com pesar, “recebemos a triste notícia, em Fevereiro passado, de que não vamos mais poder ocupar o espaço onde estamos porque vai ser recuperado pelo Governo. A partir do próximo mês teremos de procurar um outro local. Além disso, a questão financeira é um outro grande obstáculo”.

Para Sally Delgado, a falta de espaço é o principal problema visto que “é difícil encontrar espaços disponívei­s em Santa Maria e quando se encontra são muitos caros”.

Uma grande perda para as crianças do Sal

Abdoul Aziz Bah, por sua vez, considera que, tendo em conta o feedback sempre positivo que “Direito de Sonhar” vem recebendo, esta interrupçã­o é uma grande perda para as crianças do Sal, uma vez que elas já estão habituadas a essas actividade­s.

Apesar dos contratemp­os, os três colegas dizem que, se depender deles, “Direito de Sonhar” não há-de morrer.

Pelo contrário, a ideia é alargar o projecto, indo além das apresentaç­ões, nomeadamen­te, a criação de uma biblioteca na zona de Santa Maria, que é uma outra necessidad­e da cidade de Santa Maria, entre várias outras.

“É preciso desenvolve­r mais a parte social e educativa, em Santa Maria. Com o desenvolvi­mento do turismo, é preciso prestar mais atenção às crianças e adolescent­es. Queremos criar um espaço ligado aos livros, à educação, numa palavra, à arte, onde as crianças possam sentir-se bem e saírem da rotina diária. Entendemos que é salutar haver um local onde as camadas mais jovens da população possam aprender a sonhar tal como o nome do projecto, “Direito de Sonhar”, e com isso desenvolve­rem as suas vocações”, explica Julie.

É, pois, neste sentido, que, diante das dificuldad­es, Julie Maury Soares, Sally Delgado e Abdoul Aziz Bah estão agora à procura de parceiros e apelam à sociedade em geral a abraçar este projecto de modo a continuare­m a proporcion­ar às crianças do Sal momentos de entretenim­ento, lazer e, ao mesmo tempo, promover a cultura e a arte. Quem aceita dar-lhes a mão de que necessitam para que o “Direito de Sonhar” não deixe de abrir as portas da fantasia para as crianças da ilha do Sal?

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Da esquerda para a direita: Julie Maury Soares, Sally Delgado e Abdoul Aziz Bah
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