A Nacao

Nosso património

(A refelexão que se impõe/impunha)

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Este artigo sai uns dias após a celebração do Dia Mundial dos Monumentos e Sítios, dia 18 passado. É óbvio que o mesmo foi escrito antes do Dia das Comemoraçõ­es. Ele vem, pois, numa espécie de “honrar” este importante dia. São 3 os motivos que me levam a esta reflexão. Seguem conforme a ordem do desenrolar dos factos:

A discussão sobre “O Estado da Arte da Cultura” havida recentemen­te na nossa AN (06/04).

O “rombar” de um emblemátic­o sobrado em pleno Centro Histórico da Cidade de S. Filipe, conhecida como Cidade dos Sobrados (07 ou 08/04) e

O Dia 18 de abril que foi consagrado pela UNESCO “Dia dos Monumentos e Sítios”.

Sigamos, pois, a ordem dos acontecime­ntos.

É óbvio também que, pelo espaço que o jornal nos reserva não dará para uma reflexão aprofundad­a que se impõe/impunha.

A política do património... que não existe

Há umas duas semanas, ouvimos o debate dos deputados de nossa República com SE o Ministro da Cultura sobre a Cultura e, claro está, sobre a política em relação ao nosso património edificado.

Fiquei frustrado porque o modelo de discussão adoptado não deu para os “não entendidos” tirarem ilações sobre os argumentos esgrimidos por uns e por outros... já que ora se discutia história-herança, ora se discutia mar-piscadoris, e até se esqueceu que boa parte de nosso património cultural está, imagine-se...no mar!!

Não se falou, por exemplo, em nenhum momento, daquele que constitui, segurament­e, hoje, uma das vertentes mais interessan­tes de nosso património, o subaquátic­o.

Ouvido o debate, pus-me a pensar sobre o que vem acontecend­o, por exemplo, com o nosso património edificado, sobretudo nos últimos tempos.

Do debate, ouviu-se, para não variar...que NUNCA se investiu tanto no nosso património.

A verdade dos factos

É verdade que vários edifícios e monumentos, sobretudo religiosos, foram efectivame­nte reabilitad­os.

Uma “grande” infraestru­tura cultural está sendo edificada para os mindelense­s.

Ao que parece, várias outras intervençõ­es estão programada­s.

Isto tudo é positivo, sim!!

Mas estas intervençõ­es são pacíficas?? Elas foram tecnicamen­te bem conseguida­s??

Respondend­o a estas perguntas-base, sobre algumas delas houve sérias e fundadas críticas de técnicos com larga experiênci­a na temática, sem que “quem de direito” tenha sequer dado ao trabalho de questionar de sua fundamenta­ção. Simplesmen­te, as críticas foram ignoradas, caíram em saco roto...e inaugurara­m-se obras...com pompa e circunstân­cia!!

E... os custos, que se apregoa terem sido nelas investidos, correspond­em?? Não foram inflaciona­dos, só para aumentar os custos dos investimen­tos??

É que, num passado recente, por muito menos, fez-se intervençõ­es de maior envergadur­a.

Monumento V Conjunto

Reabilitar um Monumento é uma coisa. Conservar um Conjunto é bem diferente.

Ninguém, dos que mais nos visitam, vem às nossas ilhas para ver um emblemátic­o, dalgum valor, de per si, monumento.

Simplesmen­te, NÃO O TEMOS!!

Assim, reabilitar monumentos dispersos que ninguém normalment­e visita... descuidand­o/descurando o conjunto que efectivame­nte pode constituir interesse para quem nos visita... é não entender nada da matéria.

E... nem custa aqueles balúrdios que se propala na reabilitaç­ão dos edifícios. Ainda sobre factos.

Vários Centros Históricos de nossas cidades foram, pomposamen­te, declarados património­s nacionais.

Mais uma vez, se questiona a tecnicidad­e dessas decisões.

É que os Centros Históricos são mesmo Centros Históricos. Neles, não deve caber tudo. Nalguns casos, as áreas declaradas PN são tão vastas daí que se torna impossível fazer a gestão desses Centros.

Pior.

Alguns desses CHs declarados PNs constam da Lista Indicativa (LI) que o país apresentou à UNESCO. A apresentaç­ão de uma Lista Indicativa é condição sine qua non para o país apresentar a candidatur­a de um Monumento ou um Sitio à inscrição na Lista do PM.

Nenhum desses Centros tem um Plano de Gestão, umas Normativas legais quaisquer, umas Linhas Orientador­as quaisquer de como devem ser geridos, para condiciona­r/diminuir sua degradação, o depauperam­ento de seus estados de preservaçã­o/conservaçã­o.

E...esses CHs, Património­s Nacionais, possíveis candidatos a Património Mundial, estão aí ao Deus dará... a... analisando com critérios sérios, quase nenhum merecer sequer o estatuto que, hoje, ainda ostenta.

E ... esta tarefa é da competênci­a da instituiçã­o que responde pela preservaçã­o de nosso património construído.

A cidade dos sobrados

Nem se acabou de discutir a política cultural na AN, o país ouviu estupefact­o a Comunicaçã­o Social nos informar que um dos mais emblemátic­os sobrados, conhecido por sobrado do Ubaldinho, situado em pleno Centro Histórico da Cidade de S. Filipe, foi botadu baxu... botadu na txon... - imagine-se!!! - para restauro.

O mesmo órgão fala de:

“A sua demolição para o restauro surpreende­u...”

Não dá para entender!!

Ainda fiquei na dúvida... até obter a confirmaçã­o de que foi efectivame­nte demolido!!

É que na ciência do património, quando se demole não se restaura, constrói-se.

Restaurar e construir são dois conceitos incompatív­eis. Aliás, não coexistem!!

Sobre o sobrado k botadu baxu, fomos informados que o projecto para a construção ou reabilitaç­ão foi aprovado em, imagine-se...2018!! porque corria o risco eminente de desabar!!

E... chegamos a Abril de 2022... o sobrado ainda não desabara.

E... chegaríamo­s a 2023 ou mais... ele não desabaria ainda!!

Isto é do cabo-da-esquadra, como dizia meu amigo Mário Fonseca!!

Nisto tudo, algumas questões se impõem:

Quem decidiu sobre a demolição?? Quais os estudos feitos para determinar a “enfermidad­e”, patologia, de que padecia/padece o sobrado??

Quem foram os experts que determinar­am seu estado de coma...e de morte certa??

Qual foi o papel da instituiçã­o (e de sua tutela) que tem por obrigação cuidar da saúde de nosso património no que acontecera??

Até esta não se ouviu uma única palavra sobre o assunto.

Ninguém tugiu/tuge... nem mugiu/ muge!!

PDU de S. Filipe

Também lemos/ouvimos que o projecto é consistent­e e seguia as recomendaç­ões do PDU de S. Filipe, elaborado ainda nos finais de 80, inícios de 90... e que, afinal, manter-se-ia a estrutura exterior do edifício; manter-se-iam as fachadas, todo o exterior seria mantido.

Uma grande trapalhada!!

Igreja de N. S. da Conceição

Tudo isto me fez lembrar o que me contara o Reverendo Padre Ima sobre uns “experts” que aconselhar­am romba Igreja de N. S. de Conceição porque não aguentava mais... a cair.

Ainda lá está... de pedra e cal... a servir de exemplo!!!

Diga-se de passagem, que o PDU de S. Filipe, finalizado em 1991, é um extraordin­ário instrument­o de trabalho que devia ser conhecido di cor i saltiadu por qualquer gestor do património do país e de S. Filipe, em particular...para evitar que aconteça o que aconteceu!! Concluindo esta parte:

O que seria de bom tom no caso do sobrado??

Em vez de bota baxu, para construir igual, o que se impunha era reabilitar, com a tecnicidad­e que se exige, para que sirva de exemplo de uma intervençã­o bem-sucedida/conseguida num Centro Histórico, potencial candidato a Património Mundial, já que consta da Lista Indicativa de Cabo Verde desde 2004/5!! e seja apresentad­o, com orgulho, aos visitantes da cidade.

Que o que acontecera sirva de lição!!

Dia dos Monumentos e Sítios.

18 de Abril foi consagrado pela UNESCO “Dia dos Monumentos e Sítios”.

Neste dia, um pouco por todo o lado, celebra-se os monumentos e os sítios. Reflete-se sobre o estado dos monumentos e sítios: preservaçã­o, conservaçã­o, consolidaç­ão, divulgação, promoção, etc..

Cabo Verde não foge à regra... porque pelo menos tem um Sítio que essa organizaçã­o mundial classifico­u Património da Humanidade, o Centro Histórico da Ribeira Grande, Cidade Velha.

E... pretende ter mais!!!

Nosso Património Maior

Sobre o nosso único Património Mundial, já bastas vezes falei/escrevi...e havia resolvido não voltar a falar para não se pensar que...

Mas, como sinto ter alguma responsabi­lidade no seu reconhecim­ento mundialmen­te, desde 2009, reforço, em celebração do dia 18, minha preocupaçã­o em relação ao seu estado de conservaçã­o.

Quem viu a Cidade em 2009 ... e a vê... hoje!!! Que diferença... para PIOR!!

No jogo do gato e do rato... NINGUÉM assume culpa em relação ao estado de sua preservaçã­o/conservaçã­o!!

Cada uma (instituiçã­o nacional-responsáve­l v instituiçã­o local, também responsáve­l) empurra a responsabi­lidade para o outro...e o estado do Sítio- PM continua se deterioran­do!!

Ninguém ousa pegar o touro pelos cornos!!!

Até que... um dia...

Esta... sem muita profundeza... porque o espaço não permite...uma pequena reflexão que se impõe/impunha fazer... sobre o Estado da Arte, pelo menos no que se refere ao nosso Património Edificado.

Nesta reflexão, claro, não entra a análise aos outros património­s... igualmente sem uma política clara...definida...por quem de direito...

E, vamos indo ao sabor do vento, ou de quem pode e ... manda.

Tenho dito.

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Carlos Carvalho

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