CNE recusa “governamentalização” do seu orçamento
A Comissão Nacional das Eleições é contra o modelo de bancarização que lhe querem atribuir e defende o fim da “unidade orçamental” com a Assembleia Nacional, reivindicado desde 2018. A presidente da CNE, Maria do Rosário Gonçalves, fala em tentativa de “governamentalização” da CNE, o que, a ser verdade, põe em causa a transparência do processo eleitoral no país.
Asessão plenária da Assembleia Nacional, que arrancou esta quarta-feira, 09, tem em agenda, entre outros pontos, a resolução prévia sobre o orçamento da Comissão Nacional de Eleições (CNE), até agora atribuído como subvenção, no orçamento privativo da Assembleia Nacional.
Enquanto a AN defende que o modelo não belisca a autonomia da CNE, esta, por seu lado, através da sua presidente Maria do Rosário Gonçalves, defende um orçamento privativo autónomo, para não depender, financeiramente, das transferências do Ministério das Finanças, por via da chamada “bancarização”.
Na terça-feira, Gonçalves denunciou o que, do seu ponto de vista, considera ser uma tentativa de “governamentalização” do orçamento da CNE e, por esta via, das suas atribuições.
Conforme lembrou, é o próprio Código Eleitoral que, no artigo 28, impõe a aprovação de um orçamento privativo para a instituição.
“Este orçamento privativo deve ser aprovado conjuntamente e na mesma altura que vai ser aprovado o orçamento da Assembleia Nacional. Ainda mais, o mesmo artigo 28, nº 2 diz-nos que os encargos com o regular funcionamento da CNE e, de um modo geral, com o processo eleitoral, e que relevam da sua competência, constituem despesas obrigatórias e devem ser inscritas no respectivo orçamento privativo da CNE”, pontuou a responsável.
Por este motivo, a CNE pede o fim da “unidade orçamental” com a Assembleia Nacional e um orçamento privativo autónomo para a instituição, uma reivindicação que se arrasta desde 2018.
“Isto, diferentemente do estatuto dos demais órgãos externos a AN que, de facto, os encargos com o seu funcionamento constituem dotação do orçamento da AN. Não é o caso da CNE. Daí que a sua excelência o presidente da AN nos tinha assegurado que, para este ano, esta reivindicação da autonomização do orçamento da CNE seria atendido e nós estamos em crer que será desta vez”, exortou.
Bancarização põe em causa a liberdade da CNE
Para Maria do Rosário Gonçalves, a “bancarização” junto do tesouro é uma questão diferente, cujo modelo proposto pela Direcção Geral do Tesouro (DGT) é rejeitado categoricamente pela CNE.
“Aquilo que pretende, sim, é ficar com o depósito do montante, controlar a utilização deste depósito, fiscalizar a contabilidade da CNE e, mais do que isso, pretende, a DGT, substituir-se a CNE nos seus pagamentos. Com este modelo de implementação da bancarização, por parte da DGT, a CNE perderia a sua autonomia financeira”, indicou.
Garantia de neutralidade política
Esse modelo, na óptica de Maria do Rosário Gonçalves, vai contra o que está plasmado no Código Eleitoral, aprovado por lei de valor reforçado de dois terços. “O que o legislador eleitoral não quis é que a CNE ficasse sob ordem, direção e tutela dos órgãos titulares do poder político”, sublinhou, considerando que o estatuto da CNE é um escopo protector.
Na prática, defendeu, a perda de autonomia da CNE em relação à DGT representaria, em primeiro lugar, uma violação da lei, e, em segundo lugar, a perda da neutralidade política da Comissão Nacional de Eleições perante o poder executivo.
“A sua neutralidade política é o que dá proteção aos membros da CNE, presentes e futuros, para desempenharem o seu mandato com total liberdade de autonomia, sem ordem, sem direções e sem pressão externa, sobretudo”, precisou, apelando a uma análise adequada do estatuto jurídico da CNE.
Mesa da AN com posição diferente
Opinião diferente parece ter o vice-presidente da Mesa e presidente do conselho de administração da Assembleia Nacional,
Armindo da Luz. Em audição perante a Comissão de Finanças e Orçamento, para a apresentação do Orçamento Privativo da Assembleia Nacional, o mesmo confirmou que a proposta orçamental da CNE existe, mas sem passar pelo Conselho de Administração.
Para aquele responsável, o orçamento da AN, tal como está na lei, incluindo os orçamentos da ARC, Comissão Nacional da Proteção de Dados, da Provedoria de Justiça e da CNE devem ser aprovados juntos.
Para o efeito, o orçamento privativo da AN está orçado em cerca de um milhão de contos, sendo 964.567.397 escudos para as despesas de funcionamento e 49.700.000 para as despesas de capital. O mesmo inclui o orçamento daqueles quatro órgãos externos à AN.
Este ano, conforme Armindo Luz, apenas a CNE não apresentou o seu orçamento, por ter submetido o documento fora do prazo e por considerar que a instituição deve ter um orçamento aprovado em separado.
No entanto, apesar de apresentado tardiamente, diz o vice-presidente da AN, estar convicto de que a CNE não ficará sem orçamento. “A plenária é sempre soberana que é para podermos aprovar os orçamentos. Vocês também, a Comissão Especializada, vão emitir o vosso parecer, porque existe espaço próprio para se incorporar o orçamento”, defendeu.