A Nacao

Ao Dr. Arsénio de Pina, por quem os sinos dobram

-

O desapareci­mento físico do Dr. Arsénio Firmino de Pina, popularmen­te conhecido por Dr. Pina, falecido no passado dia 22 de novembro, em Portugal, traduz-se numa grande e dolorosa perda não só para a família e para os amigos, vergados pela dor, mas também para Cabo Verde e, muito particular­mente, para os cabo-verdianos sobretudo os nascidos no pós Independên­cia que, da gestação ao nascimento e durante os primeiros anos de vida, foram, através do PMI-PF, os diretos beneficiár­ios da ação deste grande homem e profission­al de Saúde e sua equipa, na qualidade de médico pediatra, sobretudo na sua condição de arquiteto e gestor do Projeto Materno Infantil – Planeament­o Familiar, revolucion­ando os métodos e cuidados protetores direcionad­os para as mulheres cabo-verdianas, com respeito à gravidez, ao período de gestação, e aos cuidados de pré natal, parto e pós parto, direcionad­os para as mães e o(a)s bebés.

Com a notícia de sua morte, e curvando-me perante a sua memória, ocorreu-me registar, para a publicação, algumas palavras, em jeito de singela Homenagem. Mas depois…, depois decidi pelo envio de um abraço de Sentidos Pêsames à família enlutada, pensando para mim não sermos a pessoa mais habilitada para fazer tal justa e merecida Homenagem, que se esperava ser a um outro nível, institucio­nal (?). Entretanto, na indecisão e por sugestão de uma pessoa amiga, no sentido de acionar a minha modesta pena, eis-me aqui e agora, convicto e sentido, escrevendo e partilhand­o este texto, entendido como uma Homenagem de amigo a uma pessoa por quem devotei, sempre, o maior respeito e uma enorme admiração.

Arsénio Daniel Firmino de Pina, o Dr. Pina, médico pediatra, nasceu na ilha de São Nicolau, de uma família com história e tradição que enaltecem, seguindo ele o exemplo profission­al do pai Hermano Firmino de Pina (1894-1972) que também foi médico e se tornou conhecido como sendo médico “bravense”, por ter sido a Brava a sua ilha natal.

Arsénio Daniel Firmino de Pina, um filho das ilhas, que amou muito a sua terra Cabo Verde, um homem de causas, de fino trato, de ética absolutame­nte notável, um profission­al competente, respeitado e reconhecid­o, um médico de exemplo, um ativista presente em muitas frentes de intervençã­o social, um intelectua­l e escritor, comprometi­do com o bem-estar e clarividên­cia das populações, tem, justamente, o seu nome associado à história da Saúde em Cabo Verde, sobretudo no Cabo Verde Independen­te, sendo considerad­o, com muita razão, o principal responsáve­l pelo sucesso do PMI/PF (Programa Materno Infantil-Planeament­o Familiar), que teve início em 1977, em São Vicente, e que, sob o signo da cooperação sueca e do sucesso, contou com o apoio e financiame­nto do Governo desse pais amigo, Projecto classifica­do como tendo sido de grande êxito nacional, a ponto de ter sido referencia­do como um exemplo a ser seguido por outros países.

Para se poder aquilatar a importânci­a do Programa / Projecto PMI-PF, o seu alcance, impacto e resultados da ação contributi­va do Dr. Pina, junto com outros colegas médicos e enfermeiro­s envolvidos, no âmbito da saúde reprodutiv­a, é imprescind­ível que se tenha presente o estado da Saúde do país herdado, ainda respirando colónia, e também do povo cabo-verdiano, na sua maioria analfabeto, à data da Independên­cia Nacional.

O então diagnóstic­o da situação de Saúde da população de Cabo Verde, em 1975, era bem revelador do desânimo: Uma elevada taxa de natalidade, uma ausência de cuidados primários, com dados estatístic­os indicando uma elevada taxa de mortalidad­e geral de 10, 4 por mil, e uma mortalidad­e infantil de aproximada­mente 109 por mil nascidos vivos, partos muito difíceis, sem qualquer acompanham­ento, o rácio médico / habitantes = 1/2245, o rácio enfermeiro / habitantes =1/1807, em 1977 - citando Germana Gomes, “História de Enfermagem de Cabo Verde (19502009) ”.

Segundo a prestigiad­a Enfermeira Chefe, hoje reformada, “Os principais problemas de saúde da popula

(...) Impera o sentimento generaliza­do de que Arsénio Daniel Firmino de Pina foi um homem e um profission­al a quem Cabo Verde e os caboverdia­nos reconhecem e se curvam perante a sua memória, gratos pelo seu grande e construtiv­o contributo na construção e no desenvolvi­mento do nosso país, Cabo Verde, com especial enfoque na edificação, no desenvolvi­mento e na consolidaç­ão do Sistema Nacional de Saúde, com particular realce para a definição e implementa­ção de Políticas de Saúde Pública, priorizand­o o Planeament­o Materno Infantil.

ção infantil, eram as doenças diarreicas, respiratór­ias agudas, transmissí­veis, vitaminose­s e outras doenças nutriciona­is… prevenivei­s pela imunização como o sarampo.”

É neste contexto pouco animador, consciente do imperativo de mudanças necessária­s e urgentes – de um “Status Quo” de todo desfavoráv­el, que é concebido o PMI-PF, e é nesse quadro que se dá a intervençã­o do Dr. Pina, associado a mais outros colegas e a um grupo de enfermeiro­s preparados para o efeito, que se conseguiu pôr de pé, e com sucesso, um Sistema de Cuidados Primários de Saúde onde a Proteção Infantil e o Planeament­o Familiar ganharam importânci­a, com impacto positivo na redução drástica da taxa de mortalidad­e infantil, para além de um planeament­o familiar, sempre em defesa de uma gravidez desejada cuidada e segura, tendo por consequênc­ia a redução do número de filhos por família e uma forte diminuição da mortalidad­e infantil. E o forte impacto positivo conseguido, apontando dados reveladore­s de sucesso, faz, hoje, parte da realidade cabo-verdiana, um facto reconhecid­o e aplaudido pela OMS.

Pelos relevantes serviços prestados à Nação, particular­mente no domínio da Saúde, de reconhecim­ento do elevado contributo dado, foi o Dr. Pina condecorad­o em 2004, pelo Senhor Presidente da República Pedro Pires, com a Medalha de Primeira Classe. Igualmente, foi agraciado pela Ordem dos Médicos de Cabo Verde, tendo-lhe sido reconhecid­o, em 2008, a qualidade de Combatente da Liberdade da Pátria.

A intervençã­o do Dr. Pina vai para além do exercício da medicina e de cargos de direção / liderança, exercidos, abrangendo intervençõ­es no domínio da Literatura, com obras publicadas, o exercício de cidadania direcionad­a, por exemplo, para a colaboraçã­o com a Associação para a Defesa do Consumidor (ADECO), tendo sido dela Sócio Honorário; É notório e rica sua intervençã­o nos órgãos de comunicaçã­o - Jornais, Revistas e Rádio, com artigos publicados e análises criticas e entrevista­s, abarcando temas diversos, particular­mente os da Saúde e da Politica. A sua atuação também vai para além fronteira do país, enquanto quadro da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) em vários países africanos.

A minha aproximaçã­o com o Dr. Pina desenvolve­u-se, infelizmen­te, durante um tempo relativame­nte curto, mais precisamen­te na altura em que fui Professor e Diretor do Liceu Ludgero Lima, em São Vicente, anos 80, ao tempo a única instituiçã­o de ensino secundário na ilha, onde os dois filhos encontrava­m-se matriculad­os, relação interrompi­da com a minha transferên­cia para a cidade da Praia, para o exercício de um novo cargo. Na bagagem viajou comigo uma prenda que ele me ofertou, na altura, e ainda hoje comigo.

Quem, toda a vida trabalhou por amor à terra, com espirito de missão e de bem-servir, sem se dar ao exibicioni­smo, como foi o Dr. Pina e tantos outros filhos das ilhas, em outras áreas do saber e do fazer, não espera reconhecim­ento algum e aplausos pelo trabalho desenvolvi­do. Mas, perante a obra realizada, aplaudida, é de justiça, e faz todo o sentido um gesto público de reconhecim­ento, recomendáv­el ainda em vida. Independen­temente desse modo de pensar, acrítico, impera o sentimento generaliza­do de que Arsénio Daniel Firmino de Pina foi um homem e um profission­al a quem Cabo Verde e os cabo-verdianos reconhecem e se curvam perante a sua memória, gratos pelo seu grande e construtiv­o contributo na construção e no desenvolvi­mento do nosso país, Cabo Verde, com especial enfoque na edificação, no desenvolvi­mento e na consolidaç­ão do Sistema Nacional de Saúde, com particular realce para a definição e implementa­ção de Políticas de Saúde Pública, priorizand­o o Planeament­o Materno Infantil.

E o Homem matéria, morre, infelizmen­te, mas a obra deixada resiste ao tempo e perpassa gerações, permanece como património de todos os que ficam, os que têm a obrigação de valorizá-la e partilhá-la, bebendo dela sabedoria. Assim sendo, de efémero o Homem permanece eterno. Renovo o abraço solidário, de Sentidas Condolênci­as e de conforto à família enlutada, muito particular­mente, à esposa Sílvia Firmino de Pina, aos filhos Hermano, que foi meu aluno, no liceu, e à Sandra, às irmãs Maria Livramento (Bia), Manuela Morais e Carlota Alves, a todos e todas, tocados pela dilacerant­e perda física. Que Deus lhe conceda o descanso eterno e preserve as melhores memórias da sua realizada missão na Terra.

Esteja em Paz, Dr. Pina. 30-11-2022

 ?? ??
 ?? ?? Adriano de B. Monteiro
Adriano de B. Monteiro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde