Uni-Mindelo e a distinção a Amílcar Cabral
Apesar de normalmente distinguir, ainda em vida, personalidades contemporâneas, o reitor da Universidade do Mindelo, Albertino Graça, destacou que o conselho científico da instituição decidiu distinguir Amílcar Cabral como Doutor Honoris Causa, a título póstumo. Ainda que pouco habitual, trata-se no entanto de uma prática comum em vários países e continentes.
No caso presente tratou-se de um gesto para “reconhecer e iluminar a sua faceta científica de pensador e pedagogo na abordagem de questões políticas e sociais, no quadro da sua participação no processo histórico da emancipação dos povos oprimidos, em especial, pela afirmação e reconhecimento das nações cabo-verdiana e guineense”.
Amílcar Cabral, acrescentou Albertino
Graça, “foi uma personalidade de múltiplas facetas, um pensador internacionalmente reconhecido e bastante estudado por muitos analistas políticos e sociais e uma figura distinguida por vários países, várias universidades e várias instituições internacionais”.
Cabral Hoje
O presidente da República, José Maria Neves, considerou a propósito que o pensamento de Amílcar Cabral é “uma bela lição para a política em Cabo Verde hoje” e uma resposta para as diferentes questões e os desafios que acontecem actualmente no mundo.
“Basta ler as referências que Cabral faz à questão da seca em Cabo Verde e as medidas que devem ser tomadas, basta ver as sugestões que Cabral faz em relação à administração nas zonas libertadas e as medidas que tinham de ser tomadas para melhorar a qualidade da prestação de serviços nas áreas libertadas”, afirmou.
O PR, que fez questão de “trazer Cabral para os dias de hoje”, apontou vários outros aspectos do seu vasto legado, nomeadamente a sua “pedagogia política” e faceta de “grande multilateralista que defendia as Nações Unidas, o direito internacional e a solução negociada dos conflitos”.
“Basta ver a insistência de Cabral na discussão, no diálogo. Ele diz em 71 que a política é contradição, mas também é discussão é possibilidade para a construção de pontos e de consenso”, argumentou JMN, considerando que a profundidade da análise dos escritos de Amílcar Cabral ajuda a formular as questões que devem ser respondidas nos tempos de hoje.
“Hoje vivemos um momento de policrise. Temos a crise ambiental, temos em Cabo Verde secas cada vez mais severas, temos os conflitos, as guerras, a pobreza, as desigualdades, os desafios que o continente africano ainda tem, vivendo um pouco à margem do que acontece no mundo. Então, lendo Cabral encontraremos as respostas para os desafios de hoje”, sublinhou José Maria Neves.
Mindelo e Cabral
Por sua vez, convidado a fazer o elogio académico do homenageado da UM, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se “privilegiado” com o convite, considerando que a atribuição, a título póstumo, do grau de Doutor Honoris Causa a Amílcar Cabral é a consagração dos seus méritos no saber, na militância cívica e na personalidade moral.
Rebelo de Sousa também manifestou o seu “júbilo” por regressar à cidade do Mindelo, recordando Cesária, saudando Kiki Lima, relendo Onésimo Silveira ou Germano Almeida e admirando o Centro Nacional de Arte Artesanato e Design (CNAD).
Segundo o presidente português a distinção a Amílcar Cabral poderia ser em qualquer parte do mundo, como Bafatá, em Santa Catarina de Santiago, na Praia, em Lisboa, Santarém, Angola, Bissau ou Conacri. Mas, opinou, tinha de ser na cidade do Mindelo onde Amílcar Cabral terminou o liceu há 80 anos, como aluno brilhante que foi.
“Poderia ser em qualquer parte do mundo porque Amílcar Cabral foi e será de todo ele. Tal como a paz, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a tolerância, o diálogo que o fizeram grande entre os grandes, mas tinha de ser aqui no Mindelo pela mão de uma universidade, por natureza universal e portadora dos seus valores, em encontro de universitários”, sentenciou o chefe de Estado português, acrescentando que, no Mindelo, Amílcar Cabral recebe a consagração dos seus méritos no saber, na militância cívica, na personalidade moral.
“O seu doutoramento Honoris Causa é isso mesmo. Gratidão, homenagem, proclamação de exemplo. Ao estudioso, ao cientista, ao teórico e ao prático, ao especialista e ao humanista, ao pensador e ao homem do terreno, das pessoas de carne e de osso, ao universitário da universidade dos livros, e ao universitário da universidade da vida”, argumentou o Presidente da República portuguesa.
Quem também destacou a importância de São Vicente e Mindelo na vida de Amílcar Cabral foi a sua filha, Iva Cabral, historiadora, que falou em nome da família a partir de Bissau. Apesar de não se ter deslocado ao Mindelo, a primogénita do homenageado agradeceu a distinção numa intervenção através de registo em vídeo. Nela realçou o lugar que a ilha de São Vicente ocupou na vida do líder das independências da Guiné e Cabo Verde, lembrando que foi nessa ilha e cidade que o jovem Amílcar começou a despertar para a vida politica e homem de cultura que acabaria por se revelar.
Pedro Pires, padrinho da cerimónia
O comandante Pedro Pires, ex-Presidente da República de Cabo Verde e ex-primeiro ministro, actual presidente da Fundação Amílcar Cabral, colega de Amílcar Cabral na luta colonial e padrinho da cerimónia.
No seu caso, revisitou o percurso pessoal de Amílcar Cabral, o convívio, a colaboração e a cumplicidade política de ambos na luta de libertação nacional, bem como aspectos como “a formação da sua personalidade singular e de cidadão, de combatente anticolonialista de estratega político e militar, de pensador e humanista, de líder e condutores de homens, seus companheiros de arma ao serviço da nossa libertação”.
Sublinhou, igualmente, que a presença dos dois chefes de Estado, de Portugal e de Cabo Verde, no acto da UM, “empresta à cerimónia uma expressão engrandecida de grande alcance cultural e político”.