Temas, correntes, posições de filósofas africanas- II*
A crescente presença de mulheres na polifonia filosófica africana tem vindo a traduzir-se em contra-discursos, redefinição de temas, releituras e novas abordagens. Não existem unanimismos. Assim, é possível identificar vozes que denunciam a «falosofia», isto é, a dominação filosófica masculina (...) O pensamento das filósofas Africanas aqui apresentadas contribuem de igual modo para o pluralismo e as dissonâncias discursivas que elas vêm protagonizando.
A presente síntese não é necessariamente um elenco de verbetes contendo dados avulsos para um dicionário. Pelo contrário, constitui uma selectiva amostra do que pode ser o trabalho preliminar de leitura sistemática e análise comparada do pensamento de filósofas Africanas. Com razão, Uduma Oji Uduma, o autor do último capítulo da já mencionada obra publicada em 2018, «Filosofia Africana e Marginalização Epistémica das Mulheres», considera que a questão da marginalização das mulheres na filosofia africana comporta outras questões.
Quatro questões
Para Uduma Oji Uduma, a própria Filosofia, enquanto disciplina, é marginalizada. Em segundo lugar, a Filosofia Africana sofre os efeitos dessa marginalização, por força de contingências históricas e preconceitos cultivados pelo Ocidente. Em terceiro lugar, a tradição filosófica ocidental marginaliza as mulheres. Em quarto lugar, os modelos ocidentais inspiram a exclusão de mulheres dos currículos e dos programas de Filosofia nas universidades africanas, resultando daí um ensino que não tematiza experiências, visões do mundo ou perspectivas africanas. Esta última questão revela a sua pertinência, quando somos confrontados com a leitura dos fundamentos pedagógicos, esquemas de organização dos conteúdos programáticos e da história da filosofia subjacente à prática do ensino da filosofia em África.
Potenciais controvérsias
Apesar disso, a crescente presença de mulheres na polifonia filosófica africana tem vindo a traduzir-se em contra-discursos, redefinição de temas, releituras e novas abordagens. Não existem unanimismos. Assim, é possível identificar vozes que denunciam a «falosofia», isto é, a domide nação filosófica masculina como a democrata-congolesa Albertine Tshibilondi Ngoyi que desconstrói o fundamentalismo falocêntrico da cultura Luba da região do Kasai de que é originária. A este propósito, regista-se uma potencial controvérsia entre a crítica do fundamentalismo falocêntrico da cultura Luba da região do Kasai, por parte de Albertine Tshibilondi Ngoyi, e as teses da nigeriana Nkiru Nzegwu, corroboradas por Dorothy Oluwagbemi-Jacob, contra a generalização objectificante da mulher através dos conceitos ocidentais de género e sexualidade, perante as alternativas da identidade de género, as perspectivas vaginocêntricas das práticas eróticas africanas, observáveis na cultura Igbo da Nigéria.
Por sua vez, a tunisina Soumaya Mestiri procede à releitura da filosofia política e moral do norte-americano John Rawls (1921-2002), ao defender a tese de que as razões com as quais ele justifica e legitima o conceito de «posição original», não são boas razões. Por isso, ela propõe uma alternativa. O pensamento das filósofas Africanas aqui apresentadas contribuem de igual modo para o pluralismo e as dissonâncias discursivas que elas vêm protagonizando.
Albertine Tshibilondi Ngoyi
Albertine Tshibilondi Ngoyi é uma filósofa democrata-congolesa, natural da cidade de Kananga, região do Kasai. Foi a primeira africana a obter o doutoramento numa universidade belga, a Universidade Católica de Louvain-la-Neuve, e pelas Faculdades Católicas de Kinshasa, actual Universidade Católica do Congo. É especialista em filosofia norte-americana à qual dedicou uma tese de doutoramento, «O Paradigma da Interpretação Semiótica em Charles S. Peirce», defendida em 1992. Albertine Tshibilondi é igualmente doutorada em Ciências Sociais pela UniversidaLivre de Bruxelas. De 1995 a 1996, foi professora universitária de filosofia e ciências sociais, na Universidade Católica do Congo, em Kinshasa, conferencista e professora na Universidade Católica da África Central, em Yaoundé, Camarões. Entre 1996 e 2003 foi professora associada da Universidade Livre de Bruxelas. Tem dedicado a maior parte do seu tempo à investigação no domínio da filosofia, especialmente às questões que dizem respeito à educação das mulheres em África. Em 2006, fundou o Centro de Estudos sobre Mulheres Africanas e Estudos Interculturais. Publica em diferentes revistas especializadas no espectro temático que compreende a religião, a teologia e a educação.
Dorothy Oluwagbemi-Jacob
Dorothy Oluwagbemi-Jacob frequentou a Universidade de Calabar até 1985, tendo aí obtido a licenciatura em Filosofia. Seguiu-se o mestrado e doutoramento em Filosofia Social e Política pela Universidade da Nigéria, Nsukka, em 1987 e 1994, respectivamente. Desempenhou funções de gestão como Decana da Faculdade de Artes e Chefe do Departamento de Filosofia. A sua actividade de docência tem sido desenvolvida em diferentes áreas, tais como a Lógica, a Filosofia Social e Política, a Filosofia Moderna, a Filosofia da História, a Filosofia Europeia, a Filosofia de Kant e Hegel, além das questões de género. Em 2003, obteve uma bolsa de pós-doutoramento, tendo desenvolvido a sua pesquisa no Centro de Investigação Interdisciplinar sobre SIDA na Universidade de Yale, New Haven-Connecticut, nos Estados Unidos da América. É membro de várias associações profissionais, tais como a Associação Filosófica da Nigéria, Círculo de Teólogas Africanas Preocupadas, Associação de Estudiosos das Faculdades de Artes e Humanidades da Nigéria, Academia Nigeriana de Letras. É igualmente pastora ordenada e directora da Igreja dos Ministros da Renovação Carismática.
Soumaya Mestiri
A tunisina Soumaya Mestiri nasceu em 1976. É professora de Filosofia Política e Social da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade de Túnis. Obteve o seu doutoramento na Universidade de Paris I, em 2003, com uma tese consagrada à Filosofia Política e Moral, intitulada «A Concepção da Pessoa na Filosofia de John Rawls: Tentativa de Reconstrução da Teoria da Justiça como Equidade». Exerceu actividade docente na Universidade de Paris I. Em 2005, realizou a pesquisa para o seu pós-doutoramento, na Universidade de Louvain-la-Neuve da Bélgica. O seu trabalho desenvolve-se em seis eixos, nomeadamente, teorias da justiça, republicanismo, multiculturalismo, história árabe-muçulmana, relação entre o Islão e a democracia, relação entre feminismo, sociedade ocidental e sociedade islâmica, questões de género e descolonização do pensamento. O interesse pela Filosofia Árabe-Muçulmana tem impulsionado a tradução de obras dos clássicos como os aforismos de Al- Farabi (870-950) e as cartas de Al-Kindi (805-873).
Mary S. C. Okolo-Nwakaeme
Mary Stella Chika Okolo-Nwakaeme, professora do Departamento de Comunicação e Estudos Gerais da Universidade Federal de Agronomia, Abeokuta, situada no Estado de Ogun, pertence à nova vaga de escritoras e filósofas nigerianas. O seu percurso formativo passa pelas universidades de Calabar e de Ibadan. Nesta última obteve o seu doutoramento em Filosofia. A sua tese de doutoramento foi galardoada com o Prémio de Doutoramento do CODESRIA, em 2005, tendo sido publicada dois anos depois. A Metafísica e a Filosofia Política constituem