Administrador único acusado de intromissão nos assuntos da redacção
O administrador único da Inforpress é acusado, pelos jornalistas desse órgão público de comunicação social, de se intrometer em assuntos que dizem respeito à redacção. José Vaz Furtado é também acusado de estar a fazer uma gestão pouco “ortodoxa” da Inforpress, com recursos a amiguismos e compadrios.
Para além de denúncias dos trabalhadores da Inforpress sobre a gestão da empresa, a cargo neste momento do administrador único, José Vaz Furtado, A NAÇÃO teve acesso a uma queixa do jornalista Geremias Furtado entregue, no início desta semana, na Autoridade da Comunicação Social (ARC). Na queixa, esse jornalista, que também é presidente da Associação Sindical de Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), fala da intromissão do administrador único em assuntos que dizem respeito à Direcção de Informação.
Na qualidade de gestor das redes sociais da Inforpress, Geremias Furtado denuncia o que considera ser “uma violação das leis da Comunicação Social e uma afronta à liberdade e independência dos jornalistas em relação à qual a Inforpress tem-se tornado vítima, desde que o actual Administrador Único assumiu as suas funções”, em Setembro de 2021.
A primeira medida que o administrador tomou, segundo o queixoso, “foi exigir que o próprio tenha acesso à gestão de todas as contas da Inforpress nas redes sociais - Facebook, Twitter, Instagram, LinkeDin, Youtube – o que representa um acto ilegal, na medida em que a Lei da Comunicação cabo-verdiana é clara ao ressaltar o princípio de separação dos poderes dentro dos órgãos de comunicação social, mostrando quem pode e deve fazer o quê”.
“Com isso quero elucidar que as redes sociais da agência, que são extensões da Redação, devem estar sob a tutela do director de Informação, quem, à luz da alínea b) do artigo 24o da Lei da Comunicação Social indigita um coordenador, o que sempre aconteceu (e deveria continuar a acontecer), na Inforpress, antes da chegada do actual Administrador”, realça.
O comportamento do administrador único, conforme Geremias Furtado, está a perturbar e a pôr em causa a actividade jornalística, “ainda mais quando as redes sociais servem, muitas vezes, como canais de contacto entre as fontes, os cidadãos que querem denunciar algo à redação dos órgãos de comunicação social, pelo que o administrador único nunca deverá ter acesso a estas informações e, mais grave, saber quem as envia”.
O queixoso considera que se está perante um acto de atentado à liberdade de imprensa, na medida em que, conforme a alínea e) do artigo 48º da Lei da Imprensa Escrita e de Agência de Notícias, atenta contra a liberdade de imprensa aquele que, em relação à imprensa licenciada, praticar qualquer outro acto susceptível de perturbar, impedir, pôr em causa ou diminuir a capacidade de exercício da actividade jornalística nos termos da presente lei.
“Entretanto, já tentei, em algumas situações, elucidar o Sr. administrador em relação à questão em pauta, mas este insiste em dizer que as redes sociais fazem parte da imagem da empresa e que é ele quem a representa, pelo que tem esse direito de estar por dentro de tudo aquilo que se passa nas redes sociais da Inforpress”, explica.
Geremias Furtado diz ainda que ficou “estupefacto” quando viu na ferramenta de edição que o próprio administrador único tem respondido a mensagens de seguidores, partilhando notícias e feito publicações na página do Facebook da Inforpress, “numa mera promoção da sua imagem pessoal, mostrando suas visitas, encontros, assinaturas de parceria, etc., numa clara violação do artigo 21º da Lei da Imprensa Escrita e Agência de Notícias, onde diz que as agências de noticiais não podem dedicar-se a qualquer actividade publicitária”.
Alegada gestão danosa
Para além da intromissão nos assuntos da direcção de Informação da Inforpress, A NAÇÃO recebeu um conjunto de denúncias dos jornalistas desse órgão acusando o administrador único de cometer actos de gestão de duvidosa legalidade e eticamente reprováveis.
Segundo os denunciantes, embora a Inforpress tenha apenas dois veículos, o administrador único teve a audácia de contratar mais um condutor, sem concurso; mais tarde, ficou-se a se saber que o novo condutor afinal é primo e amigo de infância do administrador e que nem experiência profissional tinha.
De acordo ainda com as mesmas fontes, a Inforpress sempre teve tradutores com “capacidade reconhecida”, contudo, “de repente, o administrador cismou que o trabalho não estava a ser feito com qualidade e, simplesmente, os dispensou, passando a tarefa para a sua companheira, que também chegou a trabalhar como recepcionista, antes de desaparecer das vistas dos trabalhadores da Inforpress”.
“Ficou-se a saber que esta continua a trabalhar como tradutora, mas desconhece-se que tipo de contrato tem e nem porquê deixou de aparecer na Inforpress... os textos traduzidos chegam, na sua maioria, à noite, o que dá a entender que a pessoa que o faz o tem feito como se fosse um trabalho secundário”.
De acordo com a referida denúncia, o administrador único retirou todas as assinaturas dos bancos, “passando a ser ele, apenas, a assinar os cheques, como se a Inforpress fosse a sua propriedade”.
“O administrador único não tem respeitado o decreto-lei que limita o uso de viaturas do Estado aos finais-de-semana e feriados, pois este continua a usar as viaturas de reportagem para uso pessoal, sendo visto nelas no Tarrafal de Santiago, onde tem familiares, quase todos os finais de semana e feriados. Quem paga o combustível é a Inforpress?”, interroga-se.
Administrador não fala
Contactada pelo A NAÇÃO para confirmar, ou não, a alegada intromissão do administrador único na gestão da informação, a directora de Informação da Inforpress, Zany Silva, disse: “Não confirmo e nem desminto”.
Já o visado, José Vaz Furtado, contactado também no mesmo sentido, depois de muita conversa e tentativas de desvalorizar as denúncias, preferiu no fim não responder às questões colocadas por este jornal, fazendo-nos com isso perder o nosso precioso tempo.
Este semanário sabe, entretanto, que o clima laboral é tenso na Agência Cabo-verdiana de Notícias. Os seus trabalhadores não descartam a possibilidade de convocar uma greve para denunciar os problemas e a alegada má gestão de José Vaz Furtado na Inforpress.
José Vaz Furtado é administrador único da Inforpress desde Setembro de 2021, por escolha do então ministro Abraão Vicente. Seis meses depois, em Março de 2022, a então directora de informação, Maria de Jesus Barros, pediu demissão do cargo por, alegadamente, sofrer ingerências nos assuntos da redacção por parte do administrador único. Uma acusação na altura negada pelo visado, mas que volta à tona.