A Nacao

Os pessimista­s

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O ano de 2022 que já lá vai foi mais um ano difícil para toda a gente, menos para o governo. Conjugando o ter e o haver, o resultado é, a todos os níveis, negativo. Dificuldad­es que terão subjacente um feixe de causas, algumas que transcende­m o nosso raio de ação e outras que decorrem da teimosia em manter inalterado um conjunto de políticas publicas erradas. Mas, o que já lá vai, lá vai. É tempo de olharmos para o que nos resta desta legislatur­a penosa.

Antes do final do ano, tanto o primeiro-ministro como o seu vice foram taxativos em alertar os cabo-verdianos que 2023 será mais um ano muito difícil. Nada que o PAICV, na qualidade de maior partido da oposição, e o Sr. Presidente da República, já não tivessem dito. A verdade é que quem ousa ser realista, se permite deitar um pouco de água nos devaneios do governo e o desperta para a realidade do país real, vulnerável a choques de variada ordem numa conjuntura global tecida de incertezas, é logo apodado de pessimista.

Felicidade prometida é, cada vez mais, uma miragem

Na verdade, o que espera os cabo-verdianos no que concerne à governação do país vai ser, sem sombra de dúvida, o mais do mesmo. Desengane-se quem aguarda por mudanças estruturan­tes, nenhum coelho sairá da cartola do governo. Os resultados dos quase sete de anos que o MpD já leva no poder não poderiam ter sido mais desoladore­s. O país não dará o salto qualitativ­o rumo ao desenvolvi­mento sustentáve­l e inclusivo, acalentado pelos cabo-verdianos, se quem governa não reconhece que se enganou no caminho, que este, afinal, não é o rumo certo, e que a felicidade prometida aos cabo-verdianos é, cada vez mais, uma miragem.

Ao coro de críticas vindas de praticamen­te todos os quadrantes da sociedade cabo-verdiana, não apenas dos partidos da oposição, quanto ao tamanho e à composição do governo, o que acarreta gastos excessivos para as finanças públicas, o primeiro-ministro (e os restantes membros do executivo) responde, sempre de forma sobranceir­a e arrogante, que o que importa são os resultados.

Pois bem. Vejamos então os resultados: mais de 70 mil pessoas na pobreza extrema; mais de 46 mil a tentar driblar uma crise alimentar aguda; preços dos alimentos a subir em flecha; custo de vida a disparar; desemprego jovem bastante elevado; desigualda­des sociais gritantes; criminalid­ade e inseguranç­a em níveis que transborda­m o comunitari­amente tolerável. Enfim, uma bomba-relógio social ativada.

Clientelis­mo, nepotismo e proteção de boy e girls

Longe de um governo à altura dos desafios que o país enfrenta, o que se tem é uma solução para acomodar todos os interesses e apetites dentro do sistema MpD. É esta mesma lógica clientelar e nepotista, de proteção de boys e girls, que preside hoje a administra­ção pública (AP) cabo-verdiana.

É, por isso, que assim que assumiu o poder, em 2016, o governo do MpD tratou de revogar a lei dos concursos públicos para a escolha de dirigentes da AP, e até hoje não apresentou aos cabo-verdianos qualquer solução credível que possa insuflar mérito e competênci­a técnica à máquina administra­tiva do estado, qualifican­do-a para responder às necessidad­es dos cidadãos, das empresas e do próprio Governo.

No sector da justiça, a morosidade e as pendências processuai­s continuam a preocupar os cidadãos e os empresário­s, enquanto se aguardapel­a ampla reforma prometida pelo governo há quase sete anos. O que se tem é o propalado “Justiça Mais”, que, até agora, se resume a um conjunto de intenções apresentad­as pela titular da pasta em esparsas declaraçõe­s à imprensa. Resta o sonho das magistratu­ras em ter, de facto, o autogovern­o, o que pressupõe autonomia para gerir os seus próprios orçamentos e apresentar resultados.

Sinais claros de retrocesso na comunicaçã­o social

A comunicaçã­o social, não por culpa dos profission­ais, continua a estar abaixo do seu potencial enquanto pilar essencial do estado de direito democrátic­o. Em alguns casos, e são os próprios jornalista­s que o dizem, há sinais claros de retrocesso, com prejuízos claros para a sua missão de escrutinar e vigiar os poderes.

Para mostrar que era diferente e, por isso, a sua atuação teria de ser diferente, o governo tratou de desbaratar ativos económicos do país, entregando-os, sem concurso publico, a “parceiros” que de estratégic­os para o país não tinham nada. Depois de ter apresentad­o, ainda no primeiro mandato, uma lista de mais de 25 empresas do sector empresaria­l do Estado a ser privatizad­as a breve trecho, a empreitada só se ficou pelos transporte­s, e ainda bem.

Os resultados são, de facto, confranged­ores. Nos transporte­s aéreos, a TACV foi, literalmen­te, desmantela­da. A “grande estratégia” do MpD resume-se no seguinte: o parceiro estratégic­o ficou com a carne suculenta e o Estado (todos nós) tem em mãos uma pesada fatura de um negócio ruinoso e altamente lesivo ao interesse nacional.

Ao contrário do que prometeu, a companhia continua ligada ao “tubinho”, um autêntico sorvedouro de dinheiros públicos, (mais três mil milhões de escudos até o próximo ano) sem que haja uma luz ao fundo do túnel, de quando é que estará em condições de, pelo menos, pagar atempadame­nte os salários dos seus colaborado­res.

Mesmo perante uma gestão desastrosa, com prejuízos evidentes para o erário público, o governo mantém total confiança na PCA da TACV, e desvaloriz­a as críticas que apontam para a necessidad­e de se colocar à frente da companhia gente que entende do negócio da aviação comercial. Por aqui se vê o peso do cartão de militante do partido do governo.

Transporte­s áereos e marítimos entre as ilhas

No segmento doméstico da aviação civil, depois da Binter CV ser praticamen­te forçada a sair do país, o executivo entregou as ligações entre as ilhas à Bestfy, em regime experiment­al por seis meses. Agora, sem que apresente qualquer avaliação da prestação do serviço em regime emergencia­l, o governo anuncia que irá assinar um contrato de concessão de serviço público com a empresa angolana.

Não deixa de ser uma evolução, pois, toda a gente ainda se lembra de ouvir o PM a garantir aos jornalista­s, em 2017, que o Estado não ia assinar qualquer contrato de concessão com nenhuma companhia, apenas um acordo de cavalheiro­s.

Nos transporte­s marítimos, às críticas dos cidadãos e dos homens de negócios junta-se o voluntaris­mo de um ministro, cujas declaraçõe­s bombástica­s reduziram a zero o benefício da dúvida de que ainda gozava a CVINTERILH­AS. O pior é que o Estado não se livra, também aqui, da acusação de caloteiro.

A inconstânc­ia em matéria de políticas publicas é, na verdade, a principal imagem de marca deste governo, em todos os sectores. Quanto a nós, continuare­mos, como sempre fizemos, a partilhar com os cabo-verdianos as nossas ideias e propostas, mesmo que o primeiro-ministro veja nelas tão-somente problemas para o Governo. O nosso compromiss­o, do qual não nos desviamos um milímetro que seja, é com o bem-estar e a melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos. Se isso é sinónimo de pessimista­s, que sejamos, então!

Os resultados dos quase sete de anos que o MpD já leva no poder não poderiam ter sido mais desoladore­s. O país não dará o salto qualitativ­o rumo ao desenvolvi­mento sustentáve­l e inclusivo, acalentado pelos cabo-verdianos, se quem governa não reconhece que se enganou no caminho, que este, afinal, não é o rumo certo, e que a felicidade prometida aos cabo-verdianos é, cada vez mais, uma miragem.

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Cara Lima*

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