Empresta menos dinheiro às empresas privadas
Depois de ter atingido um saldo de 130,8 mil milhões de Meticais em 2022, o crédito às empresas privadas nacionais recuou para 117,8 mil milhões no ano de 2023. Outras fontes de financiamento podem ter sido alternativas.
Lembre-se, no ano de 2022, o sector privado, através do seu maior representante, a CTA, alertou que o conflito na Ucrânia estava a causar graves repercussões à economia, daí esperar-se melhoria um ano depois.
De acordo com as Estatísticas de Crédito à Economia e Taxas de Juro a Retalho de Dezembro de 2023, acabadas de ser publicadas pelo Banco de Moçambique, no global, o crédito à economia nacional abrandou em 2,2%.
O crédito total à economia foi de 283,5 mil milhões de Meticais em 2022, saldo que reduziu para 277,2 mil milhões. Já o crédito às famílias aumentou em 9,4%, ou seja, de 119 mil milhões para 130 mil milhões de Meticais.
Os sectores que receberam mais crédito em 2023 foram o do comércio (10,9%), seguido do dos transportes e comunicações (10,6%) e o da indústria transformadora, com 2,5 mil milhões de Meticais, equivalentes a 10,4%.
No tocante ao custo do dinheiro, a taxa de juro máxima dos empréstimos bancários foi de 33,04% em Dezembro do ano passado, depois de ter atingido 33,9% em Janeiro, tudo isso para os prazos de um ano.
Reagindo em exclusivo ao “O País Económico”, o director-executivo da CTA, Eduardo Sengo, disse que a queda do crédito às empresas privadas reflecte as condições do mercado, com destaque para a alta da taxa de juro.
“A taxa de juro quase inviabilizou a concessão de novos créditos, devido ao custo de acesso. Por outro lado, a própria liquidez do mercado caiu significativamente em 23% no ano passado”, destacou Eduardo Sengo.
O director-executivo da CTA, que é também economista, explica que se a liquidez do mercado cai significa que os bancos passam a ser muito mais selectivos com os poucos recursos financeiros que restam com eles.
Outro aspecto destacado por Eduardo Sengo que contribuiu para a queda do crédito é a subida significativa do risco do mercado, como resultado do aumento do crédito malparado, o que obrigou a banca a tomar medidas.
A subida da taxa de juro, entende Sengo, fez com que as obrigações que as empresas tinham com a banca fossem muito mais caras. Diz que houve situações em que os custos chegaram a duplicar.
“Quando há essa situação, a capacidade de pagamento da dívida pode ser superada. Inicialmente, eu pagava 10, de repente passou a ser 30, o que tem de pagar, então os cash-flows das empresas não conseguiram suportar o aumento da prestação dos créditos”, exemplifica Eduardo Sengo.
É nesse contexto que o crédito malparado começou a aumentar na economia, porque as empresas não estavam a conseguir fazer face às suas obrigações.
Devido à redução do crédito às empresas privadas, estas ficaram impedidas de aceder ao financiamento à economia para desenvolver os seus negócios, seja sob ponto de vista de tesouraria, seja de investimentos.
“Como resultado, a expansão da capacidade produtiva da empresa ficou condicionada”, disse o director-executivo da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), em representação do sector privado.
No entender de Eduardo Sengo, o crescimento económico que se registou durante o ano passado no país foi graças ao sector extractivo, que está imune às situações descritas acima, como exportação de gás e de minerais.
“Estão imunes dessas condições do sistema financeiro e da política monetária no geral. Graças a isso, tivemos o crescimento de cerca de 5% em 2023, mas, se não fosse essa situação, temos a certeza absoluta de que não teríamos conseguido”, explicou-se Eduardo Sengo.
O director-executivo da CTA defende que alguns sectores nevrálgicos da economia, como a indústria transformadora e pescas, ou cresceram de forma muito negligenciada ou então registaram crescimentos negativos.
Num contexto em que o sector privado nacional lutava para ultrapassar os problemas causados pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o crédito à economia real, em que estão as empresas privadas, caiu 10% no ano de 2023.
MEDIDAS DE ACELERAÇÃO ECONÓMICA AINDA SEM EFEITOS NO CRÉDITO
Para já, segundo a Confederação, as Medidas de Aceleração Económica propostas pelo Governo ainda não estão a surtir efeito do lado do crédito à economia, atendendo que ainda estão em fase de implementação. Eduardo Sengo refere-se concretamente ao Fundo de Garantia e outros anunciados.
“Quando digo implementadas, refiro-me que ainda não está à disponibilidade do mercado. Está ainda em implementação para a operacionalização da mesma”, esclareceu o director-executivo da CTA.
Segundo informações na posse de Eduardo Sengo, já está constituída a equipa que vai viabilizar o Fundo de Garantia. É expectativa do sector privado que o Fundo possa apoiar na partilha do risco de créditos da banca.
Para Sengo, caso o risco seja partilhado pelas empresas e pela banca, as condições de crédito podem melhorar significativamente e o apetite ao risco também poderá seguir o mesmo caminho.
“Nossa expectativa era que o Fundo entrasse em funcionamento no ano passado, mas a informação que tenho, não muito bem confirmada, é que entra em vigor este ano. No início do ano, falava-se de seis meses”, referiu.
EMPRESAS RECORRERAM A OUTRAS FONTES DE FINANCIAMENTO
Citando o relatório recente da Bolsa de Valores de Moçambique, a recorrência do sector privado ao mercado de capitais aumentou em 2023, ou seja, as firmas recorreram à bolsa para se financiarem.
“Houve pequenas e médias empresas que aderiram ao terceiro mercado, que aderiram à bolsa, e isso é um sinal positivo”, lembrou Eduardo Sengo.
Mas essa não foi a única fonte alternativa. De acordo com Eduardo Sengo, há empresas que recorreram muito ao papel comercial, instrumento ao qual, no seu entender, o empresariado pode recorrer, além das acções.
“A maior parte das nossas empresas não tem contabilidade organizada para entrar na bolsa de valores. É preciso organizar melhor a sua contabilidade e, acima de tudo, torná-la atractiva na Bolsa”, concluiu Eduardo Sengo.