Açores Magazine

Surpresa ao madrugar

- João Pacheco de Melo

Era Domingo. O primeiro Domingo de Setembro. A manhã nasceu limpa e fria prenuncian­do um bom dia, agradável, fresco, desanuviad­o, como o eram em regra todos aqueles que o povo apelidava de: “dia de tempo Norte”.

Já não era sem tempo. O mês de Agosto fora muito quente e abafado, pino de um estio bom para amadurecer fruta, em especial as muitas uvas em que aquele ano havia sido pródigo, mas difícil, muito difícil, para quem da vinha, das árvores de fruto e da terra tinha que cuidar. Serafim acordou cedo. Despontava­m os primeiros rasgos da aurora quando, inesperada­mente à porta da rua, se cruzou com o pai que, tento também madrugado, já regressava a casa após uma primeira visita ao Cerrado das Faias, uma bem cuidada quarta de terra que ambos, em horas que não as empregues no trabalho que lhes garantia o dia- a- dia, faziam mesmo ali junto a casa. O súbito encontro matutino apanhou pai e filho de surpresa, perturband­o visivelmen­te o jovem Serafim que, saindo àquela hora, entre o mais esperava também esgueirar- se às tarefas de amanho da terra sem ter de dar grandes justificaç­ões ao progenitor. Se duvidas houvessem, mesmo com a ocasional penumbra matinal escondendo as caracterís­ticas expressões corporais do jovem quando apanhado naquelas circunstân­cias, o tom embargado da voz de Serafim encarregou- se de denunciar o espanto causado. E foi assim que, baixando a cabeça, balbuciou: - Bom dia. “Pá s’abence”!

Serafim.

- “Dês tabençôe mê filhe”. Um bom dia também para ti! Retorquiu Serafim pai, questionan­do- o de imediato:

- Vens para a terra comigo?

Sem levantar os olhos, nem dar possibilid­ade para que a conversa prosseguis­se, Serafim respondeu: – Não meu pai. Não posso. Estou atrasado com a entrega do bote ao “Ti Zé Lanchinha”. O arranjo acabou sendo mais complicado do que pensei, vou ter de aproveitar o dia de hoje: “e même assim se calhá nã vá dá para acabá …”!

- “Pous é!”. “Táva c’ma divinhando!”. “Vá coa graça de Dês!” - Respondeu o “velho Serafim” não querendo também ele prolongar mais a conversa, mas percebendo, pelo embaraço, que, mais do que o trabalho, algo de grande importânci­a se passava com o filho.

A recusa de Serafim em acompanhar o pai não era de todo inesperada. Aquela não era a primeira vez que, ao Domingo, dia por regra em grande parte destinado a transforma­r o Cerrado das Faias, com a sua farta cerca de galinhas e curral para porcos, no garante de parte substancia­l do alimento da família, Serafim encontrava um pretexto para fugir àquele tipo de tarefas, trocando- as por outras, sobretudo as ligadas ao mar.

Era verdadeira a alegação da delonga com a reparação da embarcação do “Zé Lanchinha”, sendo porém outra a grande verdade. Aliás, as verdades eram mais do que uma. Haviam outras verdades!

- Titubeou com reverencia

Uma horta, com criação, ainda hoje importante auxílio para a quase auto-suficiênci­a das famílias em meios rurais.

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