Açores Magazine

O maremoto do 1º de Novembro de 1

- João Pacheco de Melo

Chegou Novembro, era o primeiro dia daquele mês, o de todos os Santos, um Sábado no qual corria fresca a manhã que já ia a meio. Estavam dois pescadores sentados “à beira da rocha”, quase em frente ao “Cunhal da Maré”, a arengar sobre o tema que desde há algum tempo a todos preocupava: a falta de gente que se fazia sentir. Já haviam discorrido sobre o facto das terras que começavam a ficar abandonada­s por falta de quem as cuidasse, estando agora empolgados com outro assunto, para eles bem mais candente: o caso de alguns dos barcos varados no “Calhau da Areia” já estarem com pouco uso e a degradarem-se, por não haver quem os usasse, menos ainda quem os conservass­e.

Ia a conversa escorreita quando um deles chama a atenção ao outro para a o enorme recuo das águas que dali se observava, vendo-se o fundo do mar a seco ao longo de umas cem braças para além da normal borda de água. – Olha aquele mistério – grita o mais velho, apontando para o mar. E continua: – nunca vi nada disso em dias de minha vida…

Incrédulo com o que estava a ver, o companheir­o respondeu-lhe: – Temos que sair já daqui, avisar esta gente e encontrar quem nos ajude a colocar estes barcos aqui em cima, é que depois desta vazante deve vir mar grosso e será uma desgraça…mar grande, mar pesado…uma desgraça!

Dito isso ambos se levantaram dirigindo-se para a zona habitada a fim de dar o alarme. De pouco serviu o aviso: não só o tempo para actuar foi escasso como não havia homens para os ajudar a retirar dali os barcos. Felizmente não morreu ninguém, mas dos barcos só sobrou lenha, com a vaga de mar que se lhe seguiu, na verdade as vagas, pois foram mais de uma, espumando costa adentro. Os três vagalhões, já que foi este o seu número e dado o seu tamanho ser este o nome adequado, penetraram terra mais de duas centenas de metros, inundando por completo o “Castelinho” e as casas mais próximas. O mar chegou até ao adro da Ermida, deixando um rasto de pedras roladas e peixes em terra firme.

“Nunca tal se havera visto!”, era a frase que mais se ouvia! E não sabiam da missa nem metade! Mais a Nascente, no centro da cidade, o mar galgou várias ruas e inundou muitos edifícios, alguns muito importante­s e, na Terceira, soube-se depois, os estragos ainda foram maiores. Até mortos houve! Constava que nas outras ilhas também houvera grandes infortúnio­s.

Os dias seguintes foram de romagem à Ermida, que continuava de porta fechada sem que isso impedisse os apelos à Santa. No meio das rezas, e perante tamanho castigo, não faltou quem colocasse em causa se sempre haviam pago à Santa as promessas em azeite efectuadas já há mais de quarenta anos, por ocasião da crise sísmica ocorrida ao tempo da abertura definitiva da nova Igreja de Santa Clara…

Apesar de tudo, incluindo serem muito centraliza­doras e autoritári­as, foram as reformas pombalinas o que veio ajudar a dar alguma ordem à governação dos Açores e reorientar a sua economia. A localizaçã­o do arquipélag­o incentivou a internacio­nalização da sua economia, com as rotas marítimas inglesas ligando a Europa às colónias das Américas, potenciand­o- a.

Em Santa Clara a ligação aos comerciant­es britânicos ficou indelevelm­ente marcada com o cemitério por eles lá estabeleci­do, hoje, e desde 1, o “Campo da Igualdade”, última morada da comunidade judaica micaelense.

Imagem do terramoto que em 1 destruiu Lisboa, cujo maremoto que se lhe seguiu também afectou com gravidade os Açores.

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