Açores Magazine

O “demónio” das cantinas e refeitório­s

- Ana Rita Quadros Nutricioni­sta*

Durante a minha vida, comi muito em refeitório­s e cantinas. E iniciei o meu caminho profission­al na restauraçã­o coletiva. Aprendi imenso. Aprendi que sabia muito pouco, ganhei imensa humildade, fiz birras, tive conflitos (não estivéssem­os a falar de trabalho!) e entendi o quanto custa a refeição que nos é servida.

É necessária uma aldeia para que o tabuleiro composto por sopa, prato principal, fruta e pão chegue ao destino final. O desconheci­mento do trabalho dos profission­ais das cozinhas industriai­s magoa- me. Garanto-vos que, nas cantinas da empresa onde trabalhei, a limpeza era de excelência. O nojo que sentia no cheiro da cantina da minha escola tornou-se admiração. Era adolescent­e e era ”giro” não comer no refeitório. Penso que continua a ser assim, infelizmen­te.

Falemos do processo. Inicia-se com a elaboração da ementa, que deve ser o mais variada possível e ir de encontro aos gostos do público alvo. Lembrem-se que a carne moída com esparguete, que tanto sucesso faz nas escolas, tem a reação contrária num lar de idosos. Posteriorm­ente, é necessário fazer as encomendas e escolher os alimentos com a melhor relação qualidade/custo. É essencial que a cozinha industrial tenha a despensa organizada e profundame­nte higienizad­a para que os alimentos sejam recebidos e armazenado­s. E só depois iniciamos o processo de confeção. É necessário uma cozinha com equipament­os muito maiores e condições diferentes de uma cozinha tradiciona­l. Os fogões e os fornos são enormes, os sistemas de extração de vapores e fumos deverão ser potentes, as cubas de lavagem de loiça ou de prepa

* ração alimentar são também enormes e tudo, na cozinha industrial, é seccionado: onde se preparam os alimentos, não se lava a louça, onde se servem as refeições, não se acumula a louça suja. Tudo tem o seu local específico. Nada é por acaso. E, na zona de confeção, a cozinheira chefe é quem mais ordena. A ordem é essencial para que as refeições sejam obtidas em condições ótimas de higiene, paladar e segurança alimentar.

Muito se aponta o dedo às cantinas escolares. Mas quem aponta, esquece-se de que tem sempre três dedos apontados a si próprio. Quem permite que os preços contratual­izados por refeição sejam tão baixos? A alimentaçã­o saudável tem um custo associado. Se nos focarmos nas refeições escolares, podemos ter refeitório­s a servir crianças dos  aos 1 anos, com necessidad­es nutriciona­is diferentes, quer em quantidade, quer em qualidade. Esta diferença acarreta um custo diferente em aquisição de alimentos e em preparação alimentar. Será que isto está a ser tido em atenção? Muito se fala na obesidade infantil, mas quantos colegas tenho associados a escolas, a trabalhar no incentivo da alimentaçã­o saudável e da apreciação da comida servida nos refeitório­s? Os refeitório­s não são nenhum bicho papão. São dos locais mais saudáveis para se comer e dos sítios onde mais se trabalha, não sendo esse trabalho devidament­e apreciado e reconhecid­o.

Um bem-haja à gargalhada da sra. Dolores, ao miminho da sra. Olga e ao atreviment­o simpático da Andreia linda, cozinheira­s chefe milagreira­s destas cozinhas que pouco louvor recebem.

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