Correio da Manhã Weekend

A casa abandonada

- Francisco Moita Flores Professor Universitá­rio

UM VERDADEIRO PLANEAMENT­O DA PREVENÇÃO PERMITIRIA SALVAR

CASAS EM MONCHIQUE

Causa alguma indignação, e até algum incómodo pela insensibil­idade a raiar o desumano, escutar um primeiro ministro vangloriar-se das grandes vitórias sobre os incêndios, depois de termos vivido o maior incêndio de que, até agora, houve registo na Europa. A euforia por não ter morrido ninguém leva a tratar com desprezo as casas que arderam e a ser indiferent­e a quase trinta mil hectares de área destruída. Compreendo este alívio com a ausência de vítimas mortais. O ano passado houve cadáveres a mais e é bom que não se percam vidas num desastre, seja ele qual for. Porém, esse suspiro de alívio, não é uma vitória. Os meios recrutados, comprados, alugados, fazendo o fogo um negócio de muitos milhões, não tinham apenas como objectivo salvar vidas. Aliás, a maioria delas salvas pela GNR, mas de combater o incêndio. Não permitir que chegasse à proporção da catástrofe. E chegou. Salvaram-se vidas físicas, permitiu-se a destruição de vidas no sentido existencia­l do termo. É certo que abandonar casas ameaçadas pela voracidade das chamas é uma decisão adequada. Mas também é verdade, que um verdadeiro planeament­o de prevenção, teria assegurado a sobrevivên­cia dos lares destruídos. Estão mapeados, sabe-se quem lá vive, dá trabalho mas não é difícil proteger as vidas e também este preciso bem porque a casa incorpora vida, muitas vidas, sendo o santuário da memória afetiva. Uma casa, não é apenas paredes e telhado. Ali se abrigam os pedaços mais significat­ivos, os testemunho­s mais comoventes, os símbolos de maior significaç­ão da vida que se viveu. Se a Protecção Civil compreende­r isto, se ao governo restar um mínimo de cultura humanista, e não apenas propaganda e tacticismo, forçosamen­te tirarão uma importante lição do incêndio de Monchique. Não basta salvar vidas. É fundamenta­l salvar as casas. Porque elas são as pessoas. A sua memória, o seu afecto, afinal de contas, um testemunho da Vida.

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