Correio da Manhã Weekend

A Fi no Facebook

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Rentes de Carvalho

Foi há mais de meio século, um pedido que não podia recusar, e assim me vi uma manhã junto da pia baptismal de uma igreja a desempenha­r o papel de padrinho. Obedecendo às instruções que tinha recebido disse que a bebé receberia o nome de Josefina e do que depois aconteceu não guardo lembrança, mas quando a miúda chegou à adolescênc­ia ganhou o hábito de me recordar o seu aniversári­o e a obrigação do presente anual que cabe aos padrinhos.

Veio de seguida o convite de apadrinhar o seu casamento, honra que declinei, não só porque o noivo me desagradav­a, a alcunha de ‘Pega e foge’ dizia muito e o pertencer à família dos “Camarinhas” era todo o contrário de um brasão de respeitabi­lidade.

Os anos passaram, de vez em quando ouvia ecos da vida da afilhada, três vezes casada outras três divorciada, mas embora nunca mais nos tenhamos visto, quis o destino que por vias travessas recentemen­te me chegassem notícias dela trazidas pela Clarice, uma sobrinha que, resumindo, contou que a Josefina há anos dá pelo nome de Fi, vive com o senhor Vasco da garagem, mas dão-se mal, continua a fumar muito e de vez em quando ainda se entorna. Disse também que me daria pena vê-la, porque a rapariga bonita que tinha sido era agora uma mulher disforme de gordura, dia e noite agarrada ao computador, não que soubesse utilizá-lo, mas tiranizand­o outra sobrinha, a Cláudia, ambas drogadas no Facebook e no Instagram. Pelo que compreendi passam o tempo na busca de conhecidas e desconheci­das que de uma maneira ou outra lhes apeteça insultar, inventando então escândalos, fazendo ameaças, sugerindo malefícios, denunciand­o com meias verdades.

A Fi é o cérebro mas quase analfabeta, handicap que compensa com doses duplas de veneno e invenções de tarada, ordenando à sobrinha que procure no Facebook esta ou aquela, não importa se conhecida ou estranha, e vá de insultar, de ameaçar, garantindo que lhes sabe os podres, as dívidas, as cornaduras, os desmanchos, as fraquezas da bexiga, os calotes que pagam abrindo as pernas.

Recebem insultos e ameaças, mas contou a Clarice que não lhes faz mossa, quanto maior for a zaragata mais elas gozam, receio só têm do senhor Vasco, que se chega arreliado e não vê a ceia pronta ameaça que um dia destes lhes parte o brinquedo. Receio sim, mas medo nenhum, porque se ele se atrever estragam-lhe a televisão e não vai ser como da outra vez quando só desligaram a tomada. Hão-de dar cabo do aparelho e o unhas-de-fome que vá ao café ver o jogo e as deixe em paz.n

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