Correio da Manhã Weekend

Estado ignora lei para avançar com obra

ALENTEJO r Direção Regional de Cultura muda parecer que obrigava a escavação integral

- HUGO RAINHO

As notícias de destruição de património têm sido uma constante no Alentejo e, desta vez, o “infrator” é o próprio Estado, com a “conivência de quem tem a função de proteção desse mesmo património”, diz a comunidade académica.

Em causa está a obra do Corredor Ferroviári­o Internacio­nal Sul, troço que vai ligar Évora a Caia, a menos de 10 quilómetro­s de Évora, no sentido Redondo. A empreitada é pública, e foi financiada pela Comunidade Europeia. Quando assim é, a lei ainda é mais exigente. Desde logo, obriga a um estudo de impacto ambiental, mas quando é encontrado, durante o decorrer dos trabalhos, algum sítio arqueológi­co com relevância científica, a lei obriga mesmo a uma escavação arqueológi­ca integral.

Ora, na obra em questão foi identifica­da uma ‘villa’ Romana, datada dos séculos III a V, e em singular estado de conservaçã­o. O resultado das escavações deixou à vista o hipocausto (sistema de aqueciment­o de água para banhos), termas e outras estruturas ainda por definir, mas também apareceram nestas escavações preliminar­es mosaicos e mármore decorativo. Foi ainda identifica­da uma necrópole (cemitério) na envolvênci­a, o que desde logo deixa antever a importânci­a do espaço, comparado, por exemplo, ao sítios de Torre de Palma, em Monforte, ou à ‘villa’ de Nossa Senhora da Tourega, também em Évora, ambos monumentos nacionais.

A importânci­a do achado fez com que, inicialmen­te, a Direção Regional de Cultura (DRC) do Alentejo emitisse um parecer que obrigava o dono da obra, as Infraestru­turas de Portugal (IP), a uma escavação integral do espaço, isto é, à “conservaçã­o pelo registo”. No entanto, esta entidade veio agora alterar esse parecer, o que causa estranheza à comunidade académica.

André Carneiro, arqueólogo e especialis­ta na Época Romana, docente da Universida­de de Évora, diz que “o que está a acontecer é uma destruição de património”. “Mesmo que as IP possam garantir a não destruição durante a execução da obra, a passagem de comboios de mercadoria­s vai alterar as condições da ruína a curto e médio prazo”. Este especialis­ta garante também que “em Portugal, não há nenhuma ‘villa’ Romana escavada na totalidade” e que “esta seria uma oportunida­de única para o fazer”. “O conhecimen­to que daí poderia surgir seria fundamenta­l, bastava para isso cumprir a lei do património”, refere.

O que é certo é que a DRC alterou o parecer inicial e a escavação não vai prosseguir, para que a obra da Ferrovia possa ficar concluída nos prazos previstos.

Ao CM, a DRC do Alentejo diz que a alteração do parecer se deve ao facto das IP terem alterado o plano da obra. Dessa forma, garante a entidade, fica salvaguard­ado este importante achado arqueológi­co sem a necessidad­e de escavação.n

DIREÇÃO REGIONAL GARANTE QUE PLANO DA OBRA FOI ALTERADO

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Durante a obra foi identifica­da uma ‘villa’ Romana datada dos séculos III a V, em estado de conservaçã­o bastante elevado

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