Santos Silva dá lição de «jornalismo»
Tenho nas minhas mãos um jornal que alguém da minha família, há 103 anos, resolveu guardar. Trata-se de um «Suplemento Comercial Imperial e Estrangeiro» de 1918 do mais prestigiado jornal britânico durante dois séculos, «The Times». O suplemento, datado de Londres, é da «Secção Portuguesa» do jornal; tem 36 páginas, das quais 20 de publicidade, britânica e portuguesa, mas em português. Finda a guerra mundial, os artigos do suplemento visavam a retoma da economia portuguesa, divulgando a realidade de forma muita objectiva. Não consta que o «Times» tenha ficado jornalisticamente enviesado por causa deste magnífico suplemento.
Esta prática é comum. O «Financial Times» (FT) tem inúmeros suplementos do género. O «Semanário Novo» dava conta sexta-feira de um investimento de Fernando Medina de 24 mil euros num suplemento do FT para a «realização de reportagem». Também não consta que a independência jornalística do FT, um dos mais prestigiados jornais do mundo, tenha ficado beliscada com estes «peanuts» que os lisboetas lhe pagaram para promover Lisboa, aliás, Medina. Os suplementos FT patrocinados pelos governos portugueses são um clássico. Só a rir se pode pensar que o diário britânico ficou por isso um servil pró-governo português. O correspondente do jornal em Lisboa, Peter Wise, fez jornalismo activista contra o governo de Passos Coelho durante a troika. Não veio mal ao mundo por isso, pelo contrário: o que é preciso é jornalismo factual, sério. E o de Wise, sendo inclinado para o PS, não deixou de ser factual e sério.
O conteúdo patrocinado faz parte do universo mediático, parte integrante mas não obrigatória, tal como um género parente daqueles suplementos, a publicidade redigida, que existe há cerca de dois séculos. Sendo trabalho feito pública e seriamente, todos ficam a ganhar: os leitores, os anunciantes e os periódicos, ganhando estes músculo financeiro para — ao contrário do que diz a voz corrente — serem independentes no que têm de ser.
O que não se esperaria é que um membro do governo do PS, que recorre aos suplementos publicitários (e à pressão sobre jornalistas e à desinformação como forma de vida), tivesse a velhacaria de se vangloriar, no «Público», de ter rejeitado uma proposta absolutamente normal de conteúdo patrocinado, por parte do jornal online «Politico», como o de Medina no «Financial Times». Ao «Público», o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva, ainda nos deu lição sobre a independência do jornalismo, quando é conhecido, desde o tempo em que governou com Sócrates, por querer o máximo controle dos media pelo PS.n
NÃO VEIO MAL AO MUNDO POR ISSO, PELO CONTRÁRIO: O QUE É PRECISO É JORNALISMO FACTUAL, SÉRIO