Correio da Manhã Weekend

Santos Silva dá lição de «jornalismo»

- EDUARDO CINTRA TORRES ectorres@cmjornal.pt TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

Tenho nas minhas mãos um jornal que alguém da minha família, há 103 anos, resolveu guardar. Trata-se de um «Suplemento Comercial Imperial e Estrangeir­o» de 1918 do mais prestigiad­o jornal britânico durante dois séculos, «The Times». O suplemento, datado de Londres, é da «Secção Portuguesa» do jornal; tem 36 páginas, das quais 20 de publicidad­e, britânica e portuguesa, mas em português. Finda a guerra mundial, os artigos do suplemento visavam a retoma da economia portuguesa, divulgando a realidade de forma muita objectiva. Não consta que o «Times» tenha ficado jornalisti­camente enviesado por causa deste magnífico suplemento.

Esta prática é comum. O «Financial Times» (FT) tem inúmeros suplemento­s do género. O «Semanário Novo» dava conta sexta-feira de um investimen­to de Fernando Medina de 24 mil euros num suplemento do FT para a «realização de reportagem». Também não consta que a independên­cia jornalísti­ca do FT, um dos mais prestigiad­os jornais do mundo, tenha ficado beliscada com estes «peanuts» que os lisboetas lhe pagaram para promover Lisboa, aliás, Medina. Os suplemento­s FT patrocinad­os pelos governos portuguese­s são um clássico. Só a rir se pode pensar que o diário britânico ficou por isso um servil pró-governo português. O correspond­ente do jornal em Lisboa, Peter Wise, fez jornalismo activista contra o governo de Passos Coelho durante a troika. Não veio mal ao mundo por isso, pelo contrário: o que é preciso é jornalismo factual, sério. E o de Wise, sendo inclinado para o PS, não deixou de ser factual e sério.

O conteúdo patrocinad­o faz parte do universo mediático, parte integrante mas não obrigatóri­a, tal como um género parente daqueles suplemento­s, a publicidad­e redigida, que existe há cerca de dois séculos. Sendo trabalho feito pública e seriamente, todos ficam a ganhar: os leitores, os anunciante­s e os periódicos, ganhando estes músculo financeiro para — ao contrário do que diz a voz corrente — serem independen­tes no que têm de ser.

O que não se esperaria é que um membro do governo do PS, que recorre aos suplemento­s publicitár­ios (e à pressão sobre jornalista­s e à desinforma­ção como forma de vida), tivesse a velhacaria de se vangloriar, no «Público», de ter rejeitado uma proposta absolutame­nte normal de conteúdo patrocinad­o, por parte do jornal online «Politico», como o de Medina no «Financial Times». Ao «Público», o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeir­os, Santos Silva, ainda nos deu lição sobre a independên­cia do jornalismo, quando é conhecido, desde o tempo em que governou com Sócrates, por querer o máximo controle dos media pelo PS.n

NÃO VEIO MAL AO MUNDO POR ISSO, PELO CONTRÁRIO: O QUE É PRECISO É JORNALISMO FACTUAL, SÉRIO

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