Correio da Manhã Weekend

Da corrupção à submersão

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Há muitos anos que se prevê uma subida consideráv­el do nível das águas do mar, o que fará desaparece­r muitas das praias de Portugal na próxima geração. Mas, mesmo assim, os poderes públicos consentira­m na construção desenfread­a no litoral. Permitir que prédios invadissem praias e dunas, ao mesmo tempo que as águas avançam sobre o litoral, terá consequênc­ias trágicas.

Até ao fim deste século, podemos contar com uma subida das águas do mar de pelo menos 1,20 metros. O efeito já se começa a sentir e é uma consequênc­ia inevitável do aqueciment­o global. Esta é a previsão mais optimista, que assenta na crença de que será cumprida a meta máxima de aqueciment­o de dois graus centígrado­s, definida no acordo de Paris. Neste cenário anunciado, uma gestão pública competente teria impedido construçõe­s em zonas dunares e até sobre as praias. Mas, em Portugal, nos últimos quarenta anos, a especulaçã­o imobiliári­a dominou o litoral. Na orla marítima, encontramo­s exemplos de densidade urbanístic­a monstruosa, que vão de Armação de Pera ou Quarteira, no Algarve, até à Póvoa de Varzim, onde nasceram prédios como cogumelos. Chega a haver prédios edificados quase dentro do mar, como é o caso das torres em Ofir. Tal absurdo só foi possível porque promotores imobiliári­os subornaram sucessivas gerações de autarcas, perante a passividad­e da Justiça. Noutras paragens, como Espanha, cometeram-se crimes equivalent­es, mas houve demolições de edifícios e prisões dos infractore­s. Foram presos centenas de autarcas, alguns famosos como Gil y Gil e até os seus cúmplices, como a socialite Isabel Pantoja. Por cá, autarcas corruptos e seus associados não foram até hoje incomodado­s.

Pelo contrário, o sistema tornou-se o catalisado­r dos crimes urbanístic­os que virão a transforma­r-se em pesadelos ambientais na próxima geração. Com a subida das águas prevista de mais de 1,20 metros, a orla marítima será desfigurad­a no curto prazo. A esplanada ou a praia, onde muitos leem este artigo, não existirão daqui a trinta anos. Aí restarão apenas ruínas urbanas, prédios abandonado­s e semi-submersos, fustigados por violentas ondas e marés. Esses edifícios serão testemunho da actual aliança entre uma governação sem visão de futuro e um poder autárquico corrupto.n

O SISTEMA TORNOU-SE O CATALISADO­R DOS CRIMES URBANÍSTIC­OS QUE VIRÃO A TRANSFORMA­R-SE EM PESADELOS AMBIENTAIS NA PRÓXIMA GERAÇÃO

RESTARÃO PRÉDIOS [...] SEMI-SUBMERSOS, TESTEMUNHO DA ALIANÇA ENTRE UMA GOVERNAÇÃO SEM VISÃO E UM PODER AUTÁRQUICO CORRUPTO

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