QUE LIBERDADE AOS 15 ANOS?
Aos 15 anos, Ana é uma adolescente compenetrada, senhora de si, às vezes sisuda, apenas para enganar a timidez. Filha única, tem tido uma educação formal mas liberal, porventura “fora da caixa”. O pai, José, informático, é também um liberal expedito, sobretudo na política. Adepto da homeopatia, empedernido detractor dos químicos, convenceu a filha e a mulher da bondade das “bolinhas” que curam. Chama-lhes “medicina de prevenção”. Em criança, Ana habituou-se a desdenhar dos comprimidos e das idas à farmácia. Em casa, só produtos naturais e biológicos. Tudo em nome da saúde e do planeta, contra os conspiradores malévolos das ciências oficiais e das farmacêuticas. A mãe, Luísa, seduzida mas não convencida, foi enganando o marido com umas saltadas com a filha aos médicos “normais” e até à ginecologista que passa receitas. Até porque Ana, fértil logo aos 13 anos, é uma miúda tímida mas namoradeira. Personalidade afirmativa, toma as suas decisões com a independência possível. E não lhe venha o namorado impingir teorias ou práticas de ouvir falar. “Eu cá sou assim! Quem quer quer, quem não quer não queira!” é o
lema radical da adolescente Ana.
Com a pandemia e com o início da vacinação, estala a polémica e até o verniz lá em casa. José, coerente com as suas práticas e teorias em parafuso, declara-se obviamente antivacina. Com o passar dos meses, embebido em conversas mirabolantes em mirabolantes canais do Telegram e afins, assume-se como negacionista. É um radical taxativo; quais cientistas, quais virologistas, quais políticos que só querem enganar o povo! Luísa, a princípio condescendente com as manias do marido, começa a preocupar-se. Primeiro, porque José proibiu logo a filha de ser vacinada. “Olha que a vacina tem nanopartículas que provocam cancro e infertilidade! E também provoca coágulos e miocardites!” Luísa suspira com as investidas do marido. Quanto a Ana, tem conversado muito com as amigas, nestes dias de ansiedade antes do início das aulas. Todas e todos os seus mais queridos se estão a vacinar, sem hesitações dos pais. Ana sente-se o patinho feio que há-de vir a ser escorraçada pelos seus pares. Consultados os devidos canais da Net, Ana retira dados fundamentais de um artigo de um renomado professor de Bioética da Universidade de Nova Iorque (Arthur Kaplan). E fixou: “Na vacinação, a formação de coágulos surge em 0,0004% dos casos enquanto na toma de anticoncepcionais o risco varia entre os 0,05% e os 0,12%”. Ana medita. “Se posso tomar a pílula, que tem mais efeitos secundários, sem autorização dos pais, porque é que não posso decidir ser vacinada sem o consentimento deles?!” Esta semana,
ao jantar, Ana informa o pai. “Vou fazer 16 anos daqui a 15 dias! Primeira decisão: vou tomar a vacina!” José tenta argumentar, sem sucesso. E fica ainda informado de mais uma
coisinha. “E ficas a saber que já tomo a pílula há mais de um ano! E não preciso de ir à farmácia acompanhada pelos pais!”
Quem quer quer, quem não quer não queira...