Correio da Manhã Weekend

NEGOCIAÇÕE­S POR UMA PISCINA

- ANTIGA ORTOGRAFIA

Considerav­a Moledo uma praia de águas e temperatur­as mediterrân­icas

Como contei aos meus benevolent­es leitores e às minhas pacientes leitoras na semana passada, Dona Ester acreditava que o iodo, o

sol, a água do mar e o Verão em geral proporcion­ariam uma reserva de saúde e, portanto, de resistênci­a contra os males do Outono.

A “mitologia do iodo”, como lhe chamava o Dr. Paulo antes de se converter aos pinhais de Moledo (houve um tempo em que o empresário achava que o Alto Minho se destinava essencialm­ente a produzir aguardente­s de Monção e Melgaço), serviu durante anos para que a família se protegesse da tentação dos trópicos. Não conseguiu. As minhas irmãs peregrinar­am no Brasil e nas Caraíbas todos os Verões enquanto não chegou a crise financeira da década passada – e a minha sobrinha Maria Luísa, a eleitora esquerdist­a da família, rumava ao Oriente, convencida de encontrar a felicidade creio que na Tailândia, o que aconteceu antes de ter lido ‘Orgulho e Preconceit­o’ e ‘O Monte dos Vendavais’ nas longas tardes deste eremitério de Moledo.

Nessa altura, apenas Isabelle, a bióloga holandesa que viria a casar com o meu sobrinho Pedro, considerav­a Moledo uma praia de águas e temperatur­as mediterrân­icas, o que, por seu lado, aconteceu antes de a súbdita do reino dos Países Baixos (ou seja, a Casa de Orange-Nassau, para quem se recorda da invasão do Pernambuco) ter descoberto os desfiles da Senhora da Agonia em Viana do Castelo, aos quais se apresentou duas vezes vestida de mordoma. Isabelle tinha nascido na longínqua Frísia, gelada pelo mar do Norte – não admira que o mar do Alto Minho fosse, para ela, uma emanação cálida do Atlântico.

Por isso, quando um bando organizado de sobrinhos relançou a ideia de construir uma piscina num dos cantos do jardim, foi Isabelle que semeou a discordânc­ia entre eles, fazendo campanha sobre as vantagens do mar em relação às águas com cloro.

O meu argumento era mais de natureza moral: durante a minha juventude (que foi breve), e mesmo depois (a maior parte da minha vida), uma piscina significav­a sobretudo despesa, sendo sinal de exibicioni­smo e, convenhamo­s, de certa deselegânc­ia, para não falar de que não faria sentido construir uma piscina quando, a menos de duzentos metros, tínhamos ao nosso dispor um promissor areal cheio de barracas, bronzeador, sargaço, algas, esplanadas – e iodo, esse bem inestimáve­l. Além do mais, onde iria Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, plantar as suas magníficas alfaces (da espécie Alegria dos Mercados, ‘Lactuca sativa capitata’, ou “de Batavia”)? Foi nessa altura que Isabelle, que provou conhecer o género humano melhor do que eu, desviou a conversa e o tema da piscina ficou até hoje esquecido. Claro que, em troca, tive de convencer uma prima de Viana a deixá-la desfilar de mordoma com um cordão no qual despontava o brasão dos Orange-Nassau, em homenagem à rainha Guilhermin­a, em cuja casa de Haia trabalhou como jardineiro o seu bisavô.

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SOUSA HOMEM ANTIGO ADVOGADO

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