Explosão de euforia
Sabia-se que ia ser assim. Encarcerados há ano e meio, submetidos as regras que expropriam a liberdade e o convívio, longe dos espaços de prazer e divertimento, sendo-lhes negada a condição de pessoa, a explosão de euforia que agita zonas das grandes metrópoles era previsível. O amenizar das restrições funcionou como a rolha de uma garrafa de champanhe ao ser aberta. Um ser humano isolado numa ilha não é uma pessoa. É apenas um ser humano. Não possui a dimensão ontológica que está inscrita no seu genoma. A dimensão social, gregária, que é inerente à nossa condição. Até mesmo numa prisão, a ‘solitária’ é uma forma de castigo para quem está preso. Durante este ano e meio, a ‘solitária’ foi a nossa casa. Acumularam stress, energias, agressividade, fomes de ser para o Outro, que debilitaram os mais idosos e saturaram os mais novos. Fomos sujeitos a uma impossibilidade humana a que alguns não resistiram. Basta recordar as dezenas de festas clandestinas interrompidas pela Polícias durante o confinamento. A demência, a loucura, a depressão vitimaram uma multidão de gente sem trabalho, sem futuro, sobretudo sem esperança. Tudo aquilo que não se viveu surgiu agora como um tsunami nos territórios da noite onde se procura o encontro e a diversão. São milhares a procurar ressarcir a amputação que sofreram. A agressividade natural rapidamente se torna em violência, as regras do respeito comum são ultrapassadas, as multidões conduzem à manada, à superação do risco, à indiferença perante a norma, à impossibilidade de autoridades policiais e sanitárias manterem a ordem, transformando esses territórios em desordem. Com o passar do tempo esta perturbação que multiplica amores e conflitos, mortes violentas e rixas vai acalmar. Censurar não serve para nada. Afinal de contas, é o risco de celebrar o regresso do ser humano à sua dimensão social. A poderosa força que comanda a Vida.n
É O RISCO DE CELEBRAR O REGRESSO DO SER HUMANO À SUA DIMENSÃO SOCIAL