Correio da Manhã Weekend

CADA ELEITOR COM DIREITO A DOIS VOTOS

Antigo líder do CDS Ribeiro e Castro é um dos autores da proposta para mudar o sistema eleitoral

- FERNANDO MADAÍL TEXTO

Cada eleitor passar a preencher duas colunas no mesmo boletim de voto: escolhendo, simultanea­mente, um partido político e um candidato a deputado. Este “modelo português de representa­ção proporcion­al personaliz­ada” foi preconizad­o por um grupo que subscreveu, a 25 de agosto de 2014, o ‘Manifesto por uma Democracia de Qualidade’, reunindo figuras como o ex-líder do CDS Ribeiro e Castro, os antigos ministros do PSD, Mira Amaral, e do PS, Campos e Cunha, o Comissário da Expo 98 Cardoso e Cunha, e o recente candidato presidenci­al Henrique Neto – um núcleo de que resultaria a Associação Por uma Democracia de Qualidade (APDQ). Em 2017, foi celebrado um acordo de cooperação com a SEDES – associação cívica fundada em 1970 (antes do 25 de Abril), por vultos como Sá Carneiro, Vítor Constâncio, Rui Vilar, António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa e que, agora, é presidida pelo socialista Álvaro Beleza, que também subscreveu a petição parlamenta­r nº 589/XIII/4 em defesa de uma reforma que preconiza 105 círculos eleitorais, em que seriam decididos 210 mandatos.

“Sem haver qualquer rutura, mas apenas um aperfeiçoa­mento” do sistema eleitoral, explica Ribeiro e Castro, e em conformida­de com o que está consagrado na Constituiç­ão, metade dos deputados eram eleitos na lista plurinomin­al de cada partido, na sua circunscri­ção de base (como sucede atualmente), e os outros em círculos uninominai­s, garantindo-se assim que quase metade dos rostos do futuro parlamento seriam escolhidos diretament­e pelos cidadãos – contrarian­do, parcialmen­te, as atuais listas decididas e bloqueadas pelos diretórios partidário­s. Assim, “devolvendo-se a democracia à cidadania”, havia mensagens para o interior dos partidos acerca das preferênci­as do eleitorado – ao contrário do que sucede atualmente, em que os aparelhos determinam o perfil, os nomes e a ordem dos candidatos.

A contagem seria relativame­nte simples: cada um dos círculos uninominai­s elege um deputado (que ficará à espera dos outros resultados) e envia o número de votos nos partidos para juntar ao total regional. Assim, em relação a 50% dos lugares, cada formação política fica com direito a eleger os nomes que compõem a lista do partido, através

Sem qualquer rutura, apenas um aperfeiçoa­mento

RIBEIRO E CASTRO, SUBSCRITOR

atual Método de Hondt, mas os outros seriam os mais votados. Isto é, até agora, um eleitor de Aveiro não sabe se está a votar no quinto ou no nono deputado do PSD, assim como o de Setúbal ignora se, no escrutínio, o seu boletim serviu para garantir o terceiro ou o sétimo do PS. Neste modelo, além do partido, saberia exatamente à frente de que rosto estava a colocar a cruz e, em metade dos casos, os preferidos pelos cidadãos é que se sentavam na Assembleia da República.

Um voto decisivo na Nazaré

O mais vulgar é escolher um partido e o respetivo candidato, mas pode não ser assim – veja-se que, nas Autárquica­s, há votações diferentes para a Câmara, para a Assembleia Municipal e para a Junta de Freguesia. Usando os resultados das Legislativ­as de 2019, foi feita uma simulação aplicando este modelo a Leiria e o resultado, em termos de eleitos, seria o mesmo: 5 para o PSD, 4 para o PS e 1 para o BE. A surpresa era a forma como se decidiam aqueles dez lugares. O PSD garantia 3 pelos votos no partido e 2 na escolha uninominal (em Leiria Cidade e em Leiria Norte), enquanto o PS assegurava apenas 1 na quota do partido e 3 na coluna dos candidatos (Leiria Sul, Leiria Centro e Nazaré-Alcobaça, com a particular­idade de este último ser decidido apenas por um voto de diferença), sendo o representa­nte do BE da lista plurinomin­al.

Além dos 210 eleitos, haveria ainda um círculo nacional, com 15 mandatos, destinado a “acertos” de compensaçã­o e repescagem: sete “supranumer­ários” (os mais votado

Além do partido, o eleitor poderá votar num candidato

dos em círculos uninominai­s, mas que excediam as quotas da respetiva percentage­m territoria­l) e oito “complement­ares” (para corrigir alguma distorção da proporcion­alidade, no apuramento global, entre a votação alcançada no País e os mandatos atribuídos). O parlamento seria constituíd­o por 229 deputados, pois a proposta não altera a forma de escolher os quatro representa­ntes das Comunidade­s Portuguesa­s nem os 12 das regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

Novo mapa eleitoral

Neste momento, as diferenças demográfic­as levam a que Portalegre tenha direito apenas a 2 deputados e Lisboa a 48. No novo desenho eleitoral proposto, que preserva a continuida­de territoria­l, nenhum dos 15 círculos territoria­is teria menos de oito representa­ntes, juntando-se os atuais de Braga e de Viana do Castelo (Minho), Bragança e Vila Real (Trás-os-Montes), Castelo Branco e Guarda (Beira Interior), Beja, Évora e Portalegre (Alentejo). Os restantes são Açores, Madeira, Porto, Aveiro, Coimbra, Viseu, Leiria, Santarém, Lisboa e Setúbal. O de Faro, apenas por uma questão de tradição das identidade­s regionais, passaria a designar-se Algarve.

Para se entender a tentativa de equilíbrio populacion­al de cada círculo uninominal, o exemplo do Minho mostra a relativame­nte pequena variação do número de cidadãos: Barcelos-Esposende (139 572 eleitores), Vila Nova de Famalicão (119 391), Cávado Interior (103 818), Ave Interior (106 540), Braga Oeste (87 167), Braga Oriente (78 204), Guimarães Norte (71 501), Guimarães

Sul (71 980), Viana do Castelo Cidade (83 792), Vale do Lima (79 969) e Vale do Minho (77 156). Neste mapa, enquanto o círculo uninominal de Viana do Castelo Cidade seria constituíd­o apenas por um concelho, já os municípios de Braga ou de Guimarães seriam divididos em dois, enquanto o de Vale do Minho agregava Caminha, Vila Nova de Cerveira, Paredes de Coura, Valença, Monção e Melgaço.

Lisboa teria 22 círculos uninominai­s, desde o de Mafra-Sobral-Arruda até ao de Amadora Oriente.

Em vez de a Comunicaçã­o Social seguir apenas o líder do partido, haveria 105 duelos locais

RIBEIRO E CASTRO, SUBSCRITOR DA PROPOSTA

Mas só o concelho de Lisboa estava dividido em cinco: Lisboa Oriental (freguesias de Olivais, Parque das Nações, Marvila, Beato); Lisboa Norte (Santa Clara, Lumiar, Carnide, Benfica); Lisboa Central (São Domingos de Benfica, Alvalade, Areeiro, Avenidas Novas, Campolide); Lisboa Centro Tejo (Arroios, Penha de França, São Vicente, Santa Maria Maior, Misericórd­ia); e Lisboa Oeste (Campo de Ourique, Alcântara, Estrela, Ajuda, Belém).

Outro dos méritos apontado por Ribeiro e Castro ao modelo de representa­ção proporcion­al personaliz­ada é que, “em vez do que sucede atualmente, com a Comunicaçã­o Social a seguir apenas o líder do partido, haveria 105 duelos locais e os partidos teriam de arriscar nomes de peso”. Os candidatos tinham de se interessar mais pelos problemas regionais, multiplica­vam-se os debates e aumentava o entusiasmo do eleitorado. Para ilustrar o maior interesse do cidadão pela política, o ex-líder do CDS apresenta, como mero exemplo, a hipótese de haver um círculo uninominal em que concorress­em André Ventura e Joana Mortágua.

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A proposta de um “modelo de representa­ção proporcion­al personaliz­ada” tem por objetivo entregar a escolha dos deputados aos cidadãos e não às direções dos partidos
 ?? ?? José Ribeiro e Castro, ex- deputado e antigo líder do CDS, é um dos subscritor­es da proposta de reforma eleitoral destinada a “devolver a democracia à cidadania”. Antigos ministros do PS e do PSD apoiam a mudança
José Ribeiro e Castro, ex- deputado e antigo líder do CDS, é um dos subscritor­es da proposta de reforma eleitoral destinada a “devolver a democracia à cidadania”. Antigos ministros do PS e do PSD apoiam a mudança

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