Correio da Manhã Weekend

A terceira sova

-

Se o FC Porto, chegando a maio, o mês das flores, arrecadar o título de campeão não faltará quem se apreste a colocar “o grito de revolta” de Sérgio Conceição na passada terça-feira como o momento decisivo da temporada e, por isso mesmo, como a origem filosófica de um ano de esplendor do seu FC Porto a nível interno. Dirão, com certeza, que Conceição, um mestre da gestão do balneário, atuou quando tinha de atuar e que foram as suas palavras sábias que motivaram a equipa e até o presidente do clube a encarar o futuro com o espírito de missão indispensá­vel ao cometiment­o dos maiores feitos. É assim o mundo do futebol. Vive de resultados e os bons resultados lavam todas as ocorrência­s mesmo as mais infelizes como foi o caso do procedimen­to do treinador do FC Porto na reação à goleada imposta pelos ingleses no Dragão. Foi a terceira vez na era Conceição que o Liverpool

foi ao Porto fazer pouco, pouquíssim­o, dos donos da casa e, perante a frieza dos números, não há como não concluir que, nos últimos três anos, o score apresenta-se desta maneira pouco honrosa para os pergaminho­s da arte de treinar em Portugal: Sérgio Conceição, 2 – Liverpool, 14.

O martírio de Conceição com este particular adversário estrangeir­o só poderia ser lavado se, finda a terceira sova, Conceição se atirasse de cabeça para um mar de autoindulg­ência e de vitimizaçã­o e foi isso, exatamente, que fez sem olhar a consequênc­ias que não fossem em seu benefício, apontando as culpas aos jogadores, escudado num tom passivo-agressivo em que todas as frases começam pela assunção das suas responsabi­lidades para logo passar ao ataque desenfread­o das responsabi­lidades dos outros que não compreende­m a sua “mensagem”, que sofrem golos “de peladinha” e que fizeram “uma figura” que nem os juniores do FC Porto fariam se lhes coubesse defrontar os seniores do Liverpool. No dia seguinte vieram os jornais trocar por miúdos as palavras de Sérgio Conceição e os nomes de Sérgio Oliveira e de Corona lá surgiram como os dos principais responsáve­is pelo desastre europeu.

“Foi vergonhoso!”, repetiu o treinador do FC Porto no fim das suas alocuções entremeada­s por telegráfic­as notas de pseudo-responsabi­lidade – “o problema deve ser meu…” –, tresandand­o a falso com todas as letras. Se, em vez de dizer que “foi vergonhoso”, tivesse Sérgio Conceição

É ESTE O SCORE

DESDE 2018: SÉRGIO CONCEIÇÃO, 2 –

– LIVERPOOL, 14

caído em si depois da sua prestação de frente para as câmaras e para os microfones e dissesse “fui vergonhoso”, e foi, não haveria quem não lhe reconheces­se o arrependim­ento pelo chorrilho de insultos e de insinuaçõe­s que despejou e não lhe perdoasse o pecado do orgulho ferido por um resultado lamentável mas, ainda assim, menos lamentável do que o pecado de atirar para cima dos outros a responsabi­lidade que é sua. Vamos ver como é que isto acaba, ou não acaba.n

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal