VARIAÇÕES EM MI
O LATIM É UMA LÍNGUA MORTA MAS QUE POR PROPORCIONA MUITA VIDA. É COMO TER FEBRE INTERIOR SEM TER QUALQUER DOR
Um poliglota especial; domina imensos idiomas e sabe dar uso à língua. Não sou muito dada a beijos que lembram a parola senda amorosa, mas com este prazer é impossível resistir. Beija à laia francesa. Como um peixe linguado fresco do mar, desliza no caminho certo e entra tudo, dentes, também, num rio de saliva, A mim, às vezes, até me parece que não é só a boca que por ali anda. Quando ele passa para o italiano, as mãos entram imediatamente em ação. Nem precisa de falar. Os dedos, os 10 dedos, conhecem bem a direção. Sobem, descem, estabilizam em altitude cruzeiro para depois penetrarem no meu tesouro. Há dias em que não necessitava de mais nada. Assim me ficava. Mas não fico, porque da Itália o prazer segue para a Rússia e, então, a coisa muda de figura. Racional, não lhe sobra espaço para imprevistos, vai atrás (não literalmente) do bem-bom e posiciona-se à moda antiga. Por pouco tempo. É num ápice que começa a ‘hablar’ espanhol e as suas mãos, grandes, abrem em forma de leque. Que maravilha. O meio do corpo é uma sevilhana com castanholas duras. Quem não gosta deste ritmo morre parva.
Os leitores, dirão, e com razão: ‘que grande babel’. Engano. Não sendo automática a variação rítmica, é apropriada. A que vem com menos sal, na minha opinião, é a portuguesa. Diz que faz e não faz. Promete isto e aquilo, e nadinha. Abundam alarmes falsos. Na verdade, assemelha-se ao discurso político. Malandro prazer que entende a minha aflição. De propósito, finge atingir a última estação. Dá quase, quase a ideia de que ficaríamos por essa redondeza. Apesar de conhecer a prata da casa, acredito sempre que chegou a hora de procurar a chucha. A surpresa, ainda que seja repetida, causa-me arrepios de felicidade orgânica. Tão bom. O latim é uma língua morta mas que proporciona muita vida. É como ter febre interior sem ter qualquer dor no corpinho.