Correio da Manhã Weekend

Os milhões de(os) manuais

- PAULO DE MORAIS Professor universitá­rio ANTIGA GRAFIA

Oano de pandemia (2020) foi, para editoras de manuais escolares, o mais lucrativo de sempre. Por decisões do Parlamento e do Governo, e à custa de dinheiros públicos, os donos das editoras obtiveram lucros milionário­s.

A Porto Editora, a líder de mercado, atingiu um montante de vendas de 162 milhões (a maioria dos quais pagos com dinheiro dos nossos impostos); o seu acréscimo de lucros, face a 2019, foi de 45%. Também as editoras Leya, Areal, Santillana, Lisboa Editores, todas aumentaram enormement­e os seus lucros, esta última em 89%. Santillana e Areal atingiram margens de lucro de cerca de 50%, só comparávei­s com as da indústria farmacêuti­ca.

Como foi possível? Porque, em Junho de 2020, numa decisão completame­nte descabida, o Parlamento, por proposta do CDS, impediu a devolução dos manuais escolares entregues gratuitame­nte aos alunos no ano lectivo 19/20. Justificav­am esta proposta com o facto de, em tempo de pandemia, as matérias não terem sido integralme­nte lecionadas; os manuais deveriam ficar com os alunos para garantir “recuperaçã­o das aprendizag­ens dos alunos, a ter início no ano lectivo” seguinte.

Não tendo havido devolução, o Estado teve de financiar manuais novos, para todas as disciplina­s de todos os anos. E foi um logro: no ano seguinte, os alunos nem sequer utilizaram os livros do ano anterior. Foi, assim, um bodo aos ricos, a maior dádiva que alguma vez o Estado atribuiu ao sector dos livros escolares. E esta benesse veio já depois de, meses antes, o governo ter adquirido às editoras, por dezenas de milhões, licenças para utilização dos manuais digitais pelos alunos.

A situação só foi possível graças à enorme protecção política de que as editoras beneficiam, e que toma várias formas. Desde logo, por exemplo, um sistema bem oleado de ‘portas giratórias’. O partido que propôs a não devolução de manuais, o CDS, tinha como coordenado­ra da comissão parlamenta­r de educação a deputada Ana Rita Bessa, que foi, até à sua entrada no Parlamento, directora da editora Leya. Foi também nesta editora que Jorge Pedreira se instalou, quando abandonou o seu lugar no governo de Sócrates na área da educação. Esta e outras formas de domínio das editoras sobre o poder político são já um clássico… literário.n

ENTREGUES GRATUITAME­NTE AOS ALUNOS

NO ANO LECTIVO 19/20

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