Correio da Manhã Weekend

Oshima apresenta Salgado

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Num exercício notável sobre o sentido e os limites da responsabi­lidade, o realizador japonês Nagisa Oshima relata a odisseia de um homem condenado à morte, que sobrevive a um enforcamen­to, mas perde a memória. Aos executores põe-se então a questão da legitimida­de de punir alguém que não pode assumir os crimes que cometeu. A defesa de Ricardo Salgado, alegado ex-dono disto tudo, está a rodar um remake deste filme.

Segundo um relatório médico, Ricardo Salgado sofre da doença de Alzheimer, que, a prazo, sepulta perversame­nte o paciente no seu próprio corpo. Isso não obsta a que ele seja condenado pelos crimes de que foi acusado, visto que a imputabili­dade do arguido

NO CASO DE ANOMALIA

PSÍQUICA, A EXECUÇÃO DA PENA PODE SER SUSPENSA

se refere ao preciso “momento” da prática do crime. Ora, nesse tempo, Ricardo Salgado estava na plena posse das suas faculdades mentais.

Porém, a defesa de Ricardo Salgado pôs outra questão. O arguido estaria impossibil­itado de exercer o direito de defesa consagrado na Constituiç­ão. O requerimen­to foi indeferido, mas, num estádio avançado da doença, o tribunal teria de procurar resposta para o problema. Dever-se-ia suspender o processo, o que inviabiliz­aria o julgamento dada a irreversib­ilidade da doença?

De todo o modo, se Ricardo Salgado for condenado, o problema pode surgir mais adiante. No caso de anomalia psíquica posterior à prática do crime, que impeça o condenado de compreende­r o significad­o dos seus atos, suspende-se a execução da pena. Havendo perigosida­de (o que parece improvável num quadro de Alzheimer), ele será internado. Caso contrário, aguardará em liberdade uma cura miraculosa... e a prisão!n

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