A indústria do desabafo
Afinal, Enzo que já tinha uma mulher, Laura, e uma amante, Lina, de quem tinha um filho, Piero - que até à morte de Laura não pôde usar o sobrenome Ferrari - dizia à namorada de Luigi Musso, morto no circuito de Reims em 1958, que era ela a primeira mulher da vida dele. A coleção das 142 cartas escritas por ambos entre 1958 e 1970 foi em 2017 ao leilão que se intitulou ‘Fiamma Breschi, a senhora da Fórmula 1’ - e talvez Shakira não saiba que o fundador da Ferrari saía mais vezes fora de pista que Piqué.
Apartadas as comadres, entre aquelas que aplaudem ‘Bzrp Music Sessions, Vol. 53’ e quem simplesmente prefira ver a bola, resta-me para perplexidade a forma como uma simples ‘dor de corno’ passou a ser vista como um ato de empoderamento - palavra em voga, e que devia ser mais bem empregue.
A música que celebra o poder universal da má metáfora - em que Shakira reduz a outra e a ela própria a modelos de carros que o piloto, Piqué, escolhe conduzir ou marcas de relógios que prefere usar pode até ter recorte machista mas atingiu recordes no You
“Uma simples `dor de corno' passou a ato de empoderamento”
Tube e no Spotify e é a mais vista na história da carreira da colombiana. Talvez por isso deva admitir que ver nela machismo possa ser picuinhice isolada de quem como eu conduz, e sofrivelmente, um Seat Mii.
Shakira explicou que pretende “abraçar as milhões de mulheres que se revoltam perante aqueles que as fazem sentir insignificantes”. Nada de novo. A vida privada, quando exposta, ainda para mais se munida de boas intenções ou de um belo sermão motivacional, bate sempre recordes.
Vejam-se os 10 mil que pagaram 19 euros para na Altice Arena ouvirem balelas de uma apresentadora de programas de televisão que encontrou uma imagem da Nossa Senhora dentro de um par de sapatos caro. Numa altura em que as causas políticas de milhões parecem circo, é fácil aos desastres estéticos assemelharem-se a virtudes.