Correio da Manhã Weekend

Morrer de amor

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Repesquei uma notícia antiga, já de 2011, e apeteceu-me começar a escrever um livro sobreoassu­nto, antes de desistir cheio de pena. A história (um recorte do ‘Daily Telegraph’ que guardei no meio de um livro) relembra uma expressão romântica que hoje já não usamos, a não ser na literatura, nas letras de tango ou de mariachis mexicanos, e nas canções fora de moda, boas para bandas de província ou recordaçõe­s de rock’n’roll: “Morrer de amor”: Daniel Ross tinha 21 anos e, ao fim da tarde de uma bela sexta-feira de sol da primavera de 2011, beijou pela primeira vez Jemma Benjamim, de 18, com quem tinha um namoro “muito recente”. E, então, ela morreu. Passou-se no Reino Unido.

Os médicos atribuíram o caso à Síndroma de Morte Adulta Súbita, uma explicação que não explica nada, porque a palavra “súbita” se refere à morte de Jemma e não ao amor, propriamen­te dito. Num mundo sem pudor e sem contenção, esclarecid­o por aulas de educação e política sexual, com a música, o cinema e a publicidad­e invadidos pelo sexo, que passou da esfera privada para o domínio pú

“Num mundo sem pudor, eis como um primeiro beijo pode ser fatal”

blico, num esforço de exibicioni­smo tantas vezes doentio, eis como um primeiro beijo (ao fim de três meses de “amizade”) pode ser fatal, provocando aceleração cardíaca e síncope. Coisas que já não se usam. E que, definitiva­mente, não acontecem no Facebook nem no Tinder.

Esperançad­o na evolução da ciência, guardei o recorte durante estes anos à espera de inspiração mas, definitiva­mente, tudo continua na mesma como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, talvez Abelardo e Heloísa, ou até Carlos da Maia e a senhora Condessa de Gouvarinho. Nenhum deles sofreu de Síndroma de Morte Adulta Súbita em resultado de um beijo inesperado ou de uma surpresa tão benévola como um amor condenado e triste. Estamos mais informados sobre “as relações”, é verdade, mas não sobre os acontecime­ntos improvávei­s do coração. Parece uma canção.

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