Leis & Bitaites
Pede “moedinha e cigarrinho” junto ao quiosque dos jornais do centro comercial. Ao fim da manhã, já vai fazendo curvas, meio entaramelado. O álcool, do barato, é o seu companheiro de há muito. Tratam-no por Necas. Muitos o conhecem, poucos lhe dão trela. É um mito local e urbano. Consta que é homem culto, formado em Direito. Alguém lhe traçou o perfil: abandonado pela mulher, lá pelo Norte, abancou em Lisboa há muitos anos. Pode ser verdade. Cigarrinho entre lábios, lê com atenção as manchetes e as capas de jornais e revistas. Fala sozinho. “Participação económica em negócio!” E quase grita. “Alguém percebe que crime é este? Ninguém explica! Mas eu sei bem o que é!” Bem vistas as coisas, todos entendem (mais ou menos) o que é corrupção, burla, vigarice, até peculato. Já a muito difundida “participação económica em negócio”, isso parece crime complicado, de gente poderosa, de políticos e influentes. Necas exalta-se. “Crime de ricos! O pobre, quando bebe, é um bebedolas, o rico embriaga-se!” Gargalhada. “Já dizia o meu
“Quem pode não rouba, faz participação económica em negócio”
velho! O pobre, quando rouba, é ladrão! Mas quem pode não rouba, faz um desfalque ou tem participação económica em negócio!”
Necas parece saber do que fala. Por exemplo: um funcionário público ou equiparado (ministro, secretário de Estado, autarca, gestor público...) serve-se do cargo que exerce para ganhar dinheiro, favores ou vantagens, prejudicando os interesses que deveria defender. Um crime que não é fácil de interpretar. Uma coisa é receber uma vantagem, outra é pedir ou aceitar uma vantagem (pode nem ser patrimonial) como condição para praticar certos actos, que até podem ser legais. Confusos? Necas não se cala. “Tanto é corrupto quem paga como quem recebe!” Corridas as primeiras páginas, passa ao ataque. “Já poucos jornais dão notícias! É só bitaites de entendidos em coisa nenhuma!” E ri-se.
Situado na freguesia de Cortes, Leiria, o velhinho e histórico Moinho do Rouco
já acolheu um dos melhores restaurantes da região. Mas, num País de muita burocracia e pouca capacidade de investimento, a casa de pasto elogiada nas redes sociais está hoje votada ao abandono.
Casa de pasto
Os primeiros registos históricos sobre o Moinho do Rouco datam do século XIV. O nome parece derivar de um apelido ou de uma alcunha, mas segun- do o site da União das Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes também poderá significar “terra recentemente desbrava- da” e “sulco em pedra aci- ma do nível do solo”. Designações à parte, do ponto de vista arquitetó- nico, trata-se de um típico exemplar dos moinhos de rodízio, mais frequentes nas zonas urbanizadas do Centro e Sul de Portugal. Certo é que terá sempre tido funções na economia da região.
No século XIX, segundo a mesma fonte, foi adquiri- do pela família Charters de Azevedo. Sabe-se que em meados do século XX ainda produzia e que só na entrada da década de 70 terá cessado definitivamente a sua atividade.
Esteve alguns anos fechado, até que foi recuperado e passou a funcionar como restaurante, enquadrado numa paisagem natural de extrema beleza.
Esta nova ‘vida’ do moinho foi um sucesso. Ainda hoje se encontram espalhadas pela internet críticas muito abonatórias aos vinhos e às iguarias que ali se serviam elaboradas por mãos sábias.
Quis o destino que, em 2012, quando o proprietário morreu, os seus descendentes fossem confrontados com uma série de burocracias e a necessidade de fazer obras de adaptação para obter as necessárias licenças. O mais famoso restaurante da região acabou encerrado e, com ele, também o velho moinho régio ficou votado ao silêncio.
A atividade na área da restauração foi um sucesso, mas sucumbiu à burocracia