Quatro tópicos sobre eutanásia
Primeiro: Desengane-se quem pensa que as dificuldades experimentadas na construção de uma fórmula constitucionalmente aceitável para o suicídio assistido, à luz da exigência de determinabilidade das normas, resultam só da inépcia do legislador. A lei pode esclarecer se é necessário que o sofrimento de grande intensidade seja físico, psicológico e espiritual em termos cumulativos ou alternativos, mas nem assim os conceitos serão precisos. A imprecisão é uma fatalidade em matérias desta natureza e deixará nas mãos dos médicos e dos doentes uma enorme margem de arbítrio.
Segundo: Esta realidade não tem relação alguma com o referendo. Defendi, desde a primeira hora, a realização de um referendo por estar em causa uma questão indelegável de liberdade de consciência e por se dever ter em conta o precedente (relevante) do aborto. Porém, o referendo não altera as exigências de constitucionalidade impostas pelo
Tribunal Constitucional. Antes da sua realização, a pergunta a formular ao eleitorado seria sujeita à fiscalização da constitucionalidade e a lei aprovada na sua sequência também seria objeto de fiscalização pelo Tribunal Constitucional.
Terceiro: Entendo ainda - como a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional - que uma lei equilibrada e tão precisa quanto possível não viola o direito à vida, por razões essencialmente idênticas às que explicam a não incriminação do suicídio tentado. De resto, se o meu entendimento fosse diverso, nunca defenderia a realização de um referendo “por razões táticas”, visto que a violação da Constituição não é referendável. Estou convencido de que este processo acidentado, que incluiu um veto presidencial e duas pronúncias de inconstitucionalidade, chegará ao seu termo.
Quarto: Continuo a considerar que a legalização da eutanásia é má solução, na ótica da defesa dos direitos fundamentais, a começar pelo direito à vida. Não dirijo qualquer juízo de censura contra quem se queira suicidar, mas tentarei evitar que concretize esse propósito. Não estarei disponível para ajudar. Também não creio que seja incumbência do Estado ajudar cidadãos a suicidarem-se ou que haja vidas indignas (salvo de genocidas ou torcionários). Ao Estado cabe desenvolver os cuidados de saúde e proporcionar uma vida digna a todos, incluindo doentes e pessoas idosas.
A imprecisão das normas é uma fatalidade em matérias desta natureza