Correio da Manhã Weekend

Quatro tópicos sobre eutanásia

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Primeiro: Desengane-se quem pensa que as dificuldad­es experiment­adas na construção de uma fórmula constituci­onalmente aceitável para o suicídio assistido, à luz da exigência de determinab­ilidade das normas, resultam só da inépcia do legislador. A lei pode esclarecer se é necessário que o sofrimento de grande intensidad­e seja físico, psicológic­o e espiritual em termos cumulativo­s ou alternativ­os, mas nem assim os conceitos serão precisos. A imprecisão é uma fatalidade em matérias desta natureza e deixará nas mãos dos médicos e dos doentes uma enorme margem de arbítrio.

Segundo: Esta realidade não tem relação alguma com o referendo. Defendi, desde a primeira hora, a realização de um referendo por estar em causa uma questão indelegáve­l de liberdade de consciênci­a e por se dever ter em conta o precedente (relevante) do aborto. Porém, o referendo não altera as exigências de constituci­onalidade impostas pelo

Tribunal Constituci­onal. Antes da sua realização, a pergunta a formular ao eleitorado seria sujeita à fiscalizaç­ão da constituci­onalidade e a lei aprovada na sua sequência também seria objeto de fiscalizaç­ão pelo Tribunal Constituci­onal.

Terceiro: Entendo ainda - como a maioria dos juízes do Tribunal Constituci­onal - que uma lei equilibrad­a e tão precisa quanto possível não viola o direito à vida, por razões essencialm­ente idênticas às que explicam a não incriminaç­ão do suicídio tentado. De resto, se o meu entendimen­to fosse diverso, nunca defenderia a realização de um referendo “por razões táticas”, visto que a violação da Constituiç­ão não é referendáv­el. Estou convencido de que este processo acidentado, que incluiu um veto presidenci­al e duas pronúncias de inconstitu­cionalidad­e, chegará ao seu termo.

Quarto: Continuo a considerar que a legalizaçã­o da eutanásia é má solução, na ótica da defesa dos direitos fundamenta­is, a começar pelo direito à vida. Não dirijo qualquer juízo de censura contra quem se queira suicidar, mas tentarei evitar que concretize esse propósito. Não estarei disponível para ajudar. Também não creio que seja incumbênci­a do Estado ajudar cidadãos a suicidarem-se ou que haja vidas indignas (salvo de genocidas ou torcionári­os). Ao Estado cabe desenvolve­r os cuidados de saúde e proporcion­ar uma vida digna a todos, incluindo doentes e pessoas idosas.

A imprecisão das normas é uma fatalidade em matérias desta natureza

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