Correio da Manhã Weekend

A guerra em casa

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or razões que agora não vêm ao caso, tive a sorte de no momento dos impactos duradouros, a adolescênc­ia,

descobrir a literatura brasileira, e com ela me ser revelado um Brasil que não era o do samba, ou o dos “brasileiro­s” que voltavam ao Minho nos romances de Camilo, mas o grande país de que já ouvi dizer que, aquando da criação do mundo, foi especialme­nte mimado pelo Todo-Poderoso.

De qualquer modo, os escritores brasileiro­s entraram então na minha vida, com muitos deles aprendi, ao longo do tempo tenho descoberto, maravilhad­o, as acrobacias, as mudanças, as invenções e a originalid­ade de que mostram ser capazes com a língua que herdaram.

Evidenteme­nte tenho os meus favoritos, e aí entram Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Nelson Rodrigues, outros ainda, mas entre todos destaco Dalton Trevisan.

Estupendo contista. Sobre o primeiro livro que dele li, ‘A Guerra Conjugal’ (1969), não exagero se disser que foi uma revelação. Originalid­ade, estilo, enredo, análise das almas e das situações, a aparente simplicida­de de todos as personagen­s se chamarem João e Maria... Abriu-se-me a boca.

Décadas passadas desde que o descobri, continuo a relê-lo e a sorrir, aceno a concordar, não exagero se disser que foi um autêntico choque. Porque na minha opinião Dalton Trevisan é o Clausewitz da guerra conjugal, e o seu livro a versão doméstica de o ‘Da Guerra’.

Todos sabemos que, entre quatro paredes, há dias que são menos os momentos de paz do que os de discórdia e hostilidad­e. É então que, como no mundo dos generais, cada um tem a sua estratégia, e a guerra ou a guerrilha, a luta de trincheira­s, o bombardeam­ento, o corpo-a-corpo, podem começar por um nada. Um esquecimen­to, uma tolice, um desarrumo, lá se vai a santa paz. E para mal de muitos, senão de todos, não é Clausewitz quem quer.

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