`O Mundo Pelos Olhos da Língua' estimula e ensina
BEM FALAR E ESCREVER A LÍNGUA PORTUGUESA É UM DESAFIO LANÇADO A TODO O MUNDO LUSÓFONO E QUE TEM EFEITOS QUE INFLUENCIAM NÃO SÓ A CULTURA COMO A POLÍTICA E A ECONOMIA
Um dos grandes problemas de qualquer língua é encontrar o equilíbrio
entre a simplificação da comunicação entre seres humanos e o desenvolvimento da capacidade de exprimir com profundidade ideias e sentimentos. Não sendo quem estas linhas escreve um filólogo, nem por isso deixam de lhe interessar as questões relativas ao bom uso da língua escrita e falada do seu país. Nessa ordem de ideias, merece destaque uma obra recentemente publicada, ‘O Mundo Pelos Olhos da Língua’, da autoria do antigo jornalista e atual formador profissional de Revisão de Textos Manuel Monteiro.
O interesse de ‘O Mundo Pelos Olhos da Língua’ reside na forma escorreita e acessível, quase coloquial, como o autor aborda diversos aspetos do uso da Língua Portuguesa. Logo no início da obra, uma citação do escritor e jornalista inglês George Orwell dá-nos o tom do que se vai seguir. E o que se segue são inúmeras notas e comentários tanto sobre erros gramaticais, em que muitos incorrem frequentemente, como sobre dúvidas semânticas usuais. Uma pequena amostragem dos títulos de algumas das divisões da obra não deixa de ser sugestiva: “Avarias particulares”, “Os pseudo-invariáveis”, “Dos superpoderes da virgulação”, “Ditos curiosos e idiolectos”, “Armadilhas, truques, habilidades, (arti)manhas e minas”, etc. As próprias linhas de choque gramaticais do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990, não escapam à biópsia, sendo, todavia, de recordar que esse Acordo mais não é do que um mero instrumento de ortografia e, como tal, des
“As linhas de choque gramaticais do A. O. não escapam à biópsia”
provido do poder de resolver as dúvidas próprias de outras disciplinas gramaticais como a Fonética ou a Sintaxe.
“Resiliência”, “expectável”...
Mas é, sobretudo, na escrita e na oratória das figuras públicas, designadamente dos líderes políticos, que Monteiro assinala algumas falhas impenitentes. Seja, por exemplo, na redundância tão lida e ouvida da frase “reduzir ao máximo a despesa pública”, ou na atual sobredosagem do termo “resiliência” desalojado que foi da sua pertença inicial ao domínio da Mecânica. Que nos impe
“A redundância tão lida e ouvida de `reduzir ao máximo'”
de, pois, de optar pelo termo “expectível”, em lugar do tão badalado “expectável”?
Monteiro insiste, com razão, na necessidade de manter tanto quanto possível a racionalidade e a lógica gramatical nas narrativas correntes. Daí, sublinha, a necessidade de ter presente, por exemplo, a importância da ordem frásica como forma de reforçar a coerência linguística, ou o dever de evitar a deselegância do “culto das palavras gordurosamente excedentárias”. É nesse contexto que o autor nos chama a atenção para o facto de, v.g. muita gente dizer “vinte cinco” e não “vinte e cinco”. Porquê? Ele explica.
Porém, talvez a maior importância que Manuel Monteiro atribui ao uso das palavras venha a ser a credibilidade que a sua correta utilização confere no nosso dia-a-dia a tudo aquilo que dizemos ou escrevemos. O que só se pode assegurar percorrendo os diversos caminhos de pedagogia de que ‘O Mundo Pelos Olhos da Língua’ é bom exemplo.