A emigração vista de Moledo
AminhasobrinhaMariaLuísa,a eleitoraesquerdistadafamília, queixou-se da emigração, mencionando a “fuga de cérebros”, o que me parece ser o sinal de que um dos seus filhos, ou os dois em conjunto, pensam finalmente sair de Braga e ir para o estrangeiro. Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, que a ouvia à mesa da cozinha, explicou alegremente, enquanto me estendia a caixa dos comprimidos, que agora existe a Internet e que uma das suas primas está sempre a ser incomodada pela filha que vive na Austrália, e que a mantém actualizada sobre a vida nos antípodas.
Maria Luísa olhou-me e encolheu os ombros; talvez fosse a minha vez de a tranquilizar. Expliquei que, ao longo da sua história, sobretudo nos últimos 200 anos, os Homem tentaram estabelecer-se para lá de Valença ou, mais grave, criar ligações sentimentais noutras paragens. Cavalheiros de bigode, tias com genealogias preciosas ou primos afastados viajaram e regressaram. Quando se tratava de negócios, a aventura resultava – não porque a família fosse talhada para os seus mistérios, mas porque tinham sorte e eram vagamente honestos; em casos sentimentais, acabavam por regressar ao frágil redil da Pátria. A Tia Benedita aguardava-os, com severidade e ironia; o velho Doutor Homem, meu pai, consolava-os. Ou consolava-me.
Isto traduzia duas visões do mundo, como se dizia no século XX, antes da invenção da Internet:
a Tia Benedita achava que lá fora havia um demónio mascarado de comunismo, luteranismo e, pior, de mulheres que falavam línguas que não se entendiam em Ponte de Lima. Já o velho Doutor Homem, meu pai, era pela internacionalização, que achava um passo decisivo no caminho da civilização e da felicidade; a Pátria cá ficava.
Maria Luísa revirou os olhos, pensando que alguém tinha de meter juízo nas gerações mais velhas. Olhou melancolicamente para a copa dos pinheiros e deve ter pensado que não havia volta a dar-me.