Correio da Manhã Weekend

Segunda Opinião Mónica e Fernando

- Rui Pereira Professor universitá­rio

Se as fortes suspeitas da acusação que conduziram à aplicação da prisão preventiva a Fernando Valente pelo juiz de instrução se confirmare­m, estamos perante um dos mais sórdidos crimes que podemos conceber. Um homem de 38 anos terá matado uma mulher de 33, Mónica Silva, que trazia no ventre o filho de ambos, para ocultar a paternidad­e e se eximir de quaisquer responsabi­lidades parentais. Motivação sórdida, vítima particular­mente indefesa e relação afetiva com a vítima (desmentida pelo arguido com grosseria) são circunstân­cias que prenunciam a qualificaç­ão do homicídio.

Como se este quadro não bastasse, terão sido cometidos mais dois crimes. Um aborto não consentido (embora não qualificad­o, uma vez que o homicídio consome a agravação pelo resultado morte da mulher grávida) e um crime de profanação de cadáver. Se todos os factos forem dados como provados em acórdão condenatór­io (a competênci­a para o julgamento é de tribunal coletivo ou de tribunal do júri se requerido pela acusação ou pela defesa), o arguido é candidato à aplicação de uma pena de 25 anos de prisão, em cúmulo jurídico referente ao concurso verdadeiro destes três crimes.

No plano jurídico, o caso não oferece especiais dificuldad­es. Todavia, a investigaç­ão criminal é complexa. A ausência de cadáver dificulta a prova da morte. Por isso, a morte presumida só pode ser declarada se tiverem decorrido mais de 10 anos sobre o desapareci­mento (ou 5 anos, se o desapareci­do tiver mais de 80 anos). Por outro lado, a autópsia médico-legal dissipa as dúvidas sobre a causa e as circunstân­cias da morte. Ainda assim, há condenaçõe­s por homicídio “sem cadáver”, em que o tribunal adquire a convicção de culpabilid­ade para além de qualquer dúvida razoável.

A presunção de inocência e o princípio “in dubio pro reo” (qualquer dúvida razoável favorece o arguido) geram sentimento­s de

Os crimes contra Mónica Silva reclamam competênci­a da investigaç­ão

frustração. Porém, a sociedade que os negue ignora a pedra angular do Estado de direito democrátic­o: a essencial dignidade da pessoa humana. Os crimes cometidos contra Mónica Silva e o filho por nascer reclamam toda a competênci­a da investigaç­ão criminal e o recurso a meios de obtenção de prova como os dados de localizaçã­o e tráfego dos telemóveis. É necessário fazer Justiça para que a comunidade reconquist­e a confiança na Ordem Jurídica violada.

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