Finalmente o excedente
Portugal de contas certas e cara lavada
AS MEDIDAS ESTAVAM ALINHADAS. MAS A POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL EUROPEU (BCE) PODIA TER DEITADO TUDO A PERDER. O EMPREGO SERVIU DE “DIQUE DE CONTENÇÃO” PARA A CRISE, MAS A ESTABILIDADE NÃO VEIO PARA DURAR. A CRISE POLÍTICA PODE HIPOTECAR A CREDIBILIDADE CONSEGUIDA. SÓ OS JUROS E A INFLAÇÃO PARECEM DAR BONS SINAIS PARA 2024
Aeconomia portuguesa entrou em 2023 altiva e de “cara lavada”. O ministro das Finanças anunciara o “fim da austeridade” e ousava prever “quatro anos de aumentos” e “quatro anos de estabilidade nos rendimentos”. Como Fernando Medina se enganou. Ainda o ano não tinha chegado ao fim, já todas as suas previsões até 2026 de nada valiam.
Mas o pior já tinha passado. Uma inflação que superou os 10% em outubro de 2022 dava sinais de descida, a oferta de emprego continuava alta e o mercado de trabalho mostrava uma resistência que surpreendia todos os especialistas, atuando como um “verdadeiro dique de contenção” contra a crise nas palavras do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno.
A s despesas com a Covid-19 diminuíam todos os meses, e para Medina só se vislumbrava uma sombra no seu caminho: a política económica do Banco Central Europeu (BCE).
A “ameaça” Lagarde
À entrada de 2023 Christine Lagarde já tinha subido os juros em 250 pontos base face a 2021, e reafirmava a sua intenção de trazer a inflação de regresso aos 2% custasse o que custasse. E essa era a grande incógnita que assolava toda a zona Euro: será que a presidente do BCE ia forçar uma recessão económica? E como ia reagir a Alemanha, a locomotiva da Europa?
Em Portugal multiplicavam-se as queixas das famílias que viam a prestação da casa disparar, e o Governo elegia a habitação como um dos temas quentes do ano. Uma das medidas que levanta mais polémica é a hipótese de o Governo lançar mão da figura do “arrendamento coercivo” de imóveis devolutos. Outra é a suspensão das licenças no Alojamento Local.
O primeiro trimestre do ano começa com discussão da semana de quatro dias. Uma ideia da ministra do Trabalho que tem uma recetividade limitada: apenas 44 empresas aderem ao projeto-piloto e a ideia ficará moribunda o resto do ano.
A Páscoa turística traz boas noticias à hotelaria. As reservas crescem e ficam acima das melhores expectativas. O setor esfrega as mãos e antecipa um verão-recorde... que não se concretizará.
O susto Credit Suisse
Em março um pequeno banco, o Silicon Valley, prega o maior susto à economia mundial desde a falência do Lehman Brothers (2008). A instituição com sede na Califórnia sofre uma corrida aos depósitos e abre falência. O problema foi a contami
nação ao Credit Suisse. O gigante helvético, já abalado por uma série de escândalos vê as suas ações caírem 30% num só dia. O Banco Central Suíço reage rapidamente cedendo liquidez, mas o destino do Credit estava traçado. O governo pede ao gigante UBS que salve o seu concorrente. O negócio concretiza-se, mas as autoridades financeiras mundiais criticam a solução que imputa as perdas aos obrigacionistas, deixando os acionistas incólumes.
Por cá o Governo desdobra-se no combate à inflação. Cria o IVA 0% para um cabaz de 46 alimentos essenciais,e a economia começa a dar sinais positivos; os preços da energia descem, as exportações sobem e o turismo cresce.
Quando tudo parecia correr bem havia algo a correr mal. Esse algo chamava-se Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, que pôs a nu as divergências entre o Presidente da República e o primeiro-ministro.
Os portugueses veem nos Certificados de Aforro um oásis para as suas poupanças. Com capital garantido e uma taxa de juro máxima de 3,5% (mais prémios de permanência), correm a retirar o dinheiro dos depósitos a prazo (mais de 8,7 mil milhões), o que leva o Governo a e nce r ra r a s é r i e E d os certificados e a criar a série F muito mais restritiva em termos de rentabilidade.
O ano de ouro da banca
Me s m o a s s i m , a b a n c a não se pode queixar. Com a subida dos juros decretada pelo BCE a margem financeira duplica e os resultados das principais instituições d e c r é d i to p o r t u g u e s a s quase duplicam face a 2022: são 8,5 milhões de lucro por dia, cerca de nove vezes mais face aos seus congéneres da zona euro. Enquanto isto, as famílias redobravam as suas queixas em relação ao aumento da prestação da casa. Para aliviar a pressão os portugueses fizeram da amortização dos empréstimos a sua primeira prioridade. Para ajudar, o governo anunciou um reforço do apoio a quem tem uma taxa de esforço acima de 50%.
A meio do ano, no debate do estado da Nação, António Costa reitera o bom comportamento da economia e anuncia um crescimento de 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023.
Mas as nuvens negras acumulavam-se no horizonte; o Governo estuda novos instrumentos de apoio à subida dos preços, e ultrapassa a primeira moção de censura do ano,apresentada pelo Chega.
Chegados a outubro, Fernando Medina apresenta as contas para 2024: reforçar os rendimentos, promover o investimento e proteger o futuro são as ideias fundamentais. Lá está consagrado o excedente orçamental: são 2,1 mil milhões de euros a mais entre o deve e o haver,o maior do Portugal democrático.
O ministro das Finanças anuncia uma descida generalizada do IRS e a constituição de um “fundo soberano” destinado a substituir o Plano de Recuperação e Resiliência no financiamento das grande obras estruturantes.
A previsão de crescimento para 2024 apontava para 1,5%, com desemprego inalterado nos 6,7% e a inflação a descer para os 3,3%.
Tudo eram boas notícias até ao fatídico dia 7 de novembro. A Operação Influencer des e n c a d e i a b u s c a s e m S. Bento e leva à demissão do primeiro-ministro António Costa e à queda do Governo.
O Orçamento do Estado passa com os votos da maioria socialista e as abstenções do PAN e do Livre. O País sustem a respiração e prepara-se para entrar em 2024 com todos os cenários em aberto.
O arrendamento forçado e o fim das licenças do Alojamento Local são duas medidas que levantam um coro de protestos contra António
Costa Cavalgando a euforia do Turismo, a Hotelaria sobe os preços 70% em dois anos O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) continuou a ser executado aos “solavancos”, com muitas queixas dos empresários nacionais