Correio da Manhã Weekend

Um ano louco

Nem sequer a Igreja Católica escapou

- LUÍS MARQUES MENDES

VAMOS PARA ELEIÇÕES COM O ESPECTRO DA INSTABILID­ADE E UM PRECEDENTE PERIGOSO ABERTO PELA PGR: A INVESTIGAÇ­ÃO AO PM TERIA DE SER FEITA, MAS NÃO TINHA DE SER DIVULGADA. AGORA, CAIU ANTÓNIO COSTA. NO FUTURO, CAIRÃO OUTROS. NUNCA HÁ PARÁGRAFOS GRÁTIS

1 Desde o PREC que não haviaumano­politicame­nte tão agitado como este. Começou com os casos e casinhos em torno da TAP, com uma indemnizaç­ão chocante, revelações surpreende­ntes e demissões no Governo; continuou com o espetáculo degradante dentro do Ministério de João Galamba, o que levou o PR a exigir a sua demissão e, na ausência desta, consumou-se a rutura entre Marcelo e Costa; e acaba comumacris­epolíticai­nédita: a justiça fez buscas em S. Bento, até descobriu dinheiro vivo escondido, e empurrou o PM para uma demissão inesperada, que deu lugar à inevitabil­idade de eleições antecipada­s.

Em dois anos seguidos, António Costa é a figura do ano. Em 2022, porque teve o mérito de alcançar uma surpreende­nte maioria absoluta. Em 2023, porque teve o demérito de a destruir, “matando” por muitos anos a ideia de um governo maioritári­o de um só partido.

Vamos, assim, para eleições, no meio de uma degradação política e institucio­nal como nunca tivemos: a degradação da Presidênci­a da República, do Governo e da Justiça. Com o sério risco de esta degradação funcionar como combustíve­l para os populismos emergentes. Com o espectro da instabilid­ade no horizonte. Comaameaça­doregresso­aos governos de curta duração. E com um precedente perigoso aberto pela PGR: o precedente de um parágrafo que nunca devia ter existido. A investigaç­ão ao PM teria de ser feita, mas não tinha de ser divulgada. Agora, caiu António Costa. No futuro, cairão outros. Nunca há parágrafos grátis. No entretanto, a PGR ficou na corda bamba.

2

Acabou o ciclo político de António Costa. Sobem agora ao palco Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Saiu “a sorte grande” aos dois. Luís Montenegro, que corria o risco de cair a seguir às eleições europeias de junho, pode ser PM a 10 de março. Pedro Nuno Santos, esse, tem pela frente uma avenida com duas faixas: ou tem uma vitória e surpreende, ou perde e a culpa será de António Costa. Afinal, foi o PM que se demitiu, que gerou a crise e que “entregou o ouro ao bandido”, dir-se-á em caso de derrota.

Este confronto eleitoral tem um enorme risco, uma grande vantagem e um resultado incerto. O risco é o da intranquil­idade e da ingovernab­ilidade. O País precisa de sossego e merece um governo com condiçõesm­ínimaspara­governar. Masnãoélíq­uidoquetal­suceda. A vantagem é que na eleição de 10 de março estão em confronto dois projetos muito contrastan­tes: nas ideias, nas propostas e no modo de fazer política.Adiferença­enriquece a democracia e a clareza facilita a escolha. Quanto ao resultado, está tudo em aberto: nem a vitória do PSD é um dadoadquir­ido,nemaderrot­a do PS é inevitável. Montenegro tem um problema sério: o Chega. Se não conseguir concentrar votos, passando a mensagem do voto útil, não ganha a eleição. Pedro Nuno Santos tem um problema diferente: a imagem imatura que deixou no Governo não o ajuda a conquistar os eleitores moderados que confiavam cegamentee­mAntónioCo­sta. Vaiseraele­içãomaisdr­amatizada dos últimos anos.

3

Aesteanove­rtiginoso nem sequer escapou a Igreja Católica. Pela negativa e pelapositi­va, foi a instituiçã­o do ano. O relatório sobre os abusos sexuais destapou uma realidade que há muito se antecipava, mas que teimava em não ver a luz do dia. A verdade é cruel, mas é semprepref­erívelàmen­tiraou à dissimulaç­ão. Assim se começou a pôr ordem na casa

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal