Um ano louco
Nem sequer a Igreja Católica escapou
VAMOS PARA ELEIÇÕES COM O ESPECTRO DA INSTABILIDADE E UM PRECEDENTE PERIGOSO ABERTO PELA PGR: A INVESTIGAÇÃO AO PM TERIA DE SER FEITA, MAS NÃO TINHA DE SER DIVULGADA. AGORA, CAIU ANTÓNIO COSTA. NO FUTURO, CAIRÃO OUTROS. NUNCA HÁ PARÁGRAFOS GRÁTIS
1 Desde o PREC que não haviaumanopoliticamente tão agitado como este. Começou com os casos e casinhos em torno da TAP, com uma indemnização chocante, revelações surpreendentes e demissões no Governo; continuou com o espetáculo degradante dentro do Ministério de João Galamba, o que levou o PR a exigir a sua demissão e, na ausência desta, consumou-se a rutura entre Marcelo e Costa; e acaba comumacrisepolíticainédita: a justiça fez buscas em S. Bento, até descobriu dinheiro vivo escondido, e empurrou o PM para uma demissão inesperada, que deu lugar à inevitabilidade de eleições antecipadas.
Em dois anos seguidos, António Costa é a figura do ano. Em 2022, porque teve o mérito de alcançar uma surpreendente maioria absoluta. Em 2023, porque teve o demérito de a destruir, “matando” por muitos anos a ideia de um governo maioritário de um só partido.
Vamos, assim, para eleições, no meio de uma degradação política e institucional como nunca tivemos: a degradação da Presidência da República, do Governo e da Justiça. Com o sério risco de esta degradação funcionar como combustível para os populismos emergentes. Com o espectro da instabilidade no horizonte. Comaameaçadoregressoaos governos de curta duração. E com um precedente perigoso aberto pela PGR: o precedente de um parágrafo que nunca devia ter existido. A investigação ao PM teria de ser feita, mas não tinha de ser divulgada. Agora, caiu António Costa. No futuro, cairão outros. Nunca há parágrafos grátis. No entretanto, a PGR ficou na corda bamba.
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Acabou o ciclo político de António Costa. Sobem agora ao palco Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Saiu “a sorte grande” aos dois. Luís Montenegro, que corria o risco de cair a seguir às eleições europeias de junho, pode ser PM a 10 de março. Pedro Nuno Santos, esse, tem pela frente uma avenida com duas faixas: ou tem uma vitória e surpreende, ou perde e a culpa será de António Costa. Afinal, foi o PM que se demitiu, que gerou a crise e que “entregou o ouro ao bandido”, dir-se-á em caso de derrota.
Este confronto eleitoral tem um enorme risco, uma grande vantagem e um resultado incerto. O risco é o da intranquilidade e da ingovernabilidade. O País precisa de sossego e merece um governo com condiçõesmínimasparagovernar. Masnãoélíquidoquetalsuceda. A vantagem é que na eleição de 10 de março estão em confronto dois projetos muito contrastantes: nas ideias, nas propostas e no modo de fazer política.Adiferençaenriquece a democracia e a clareza facilita a escolha. Quanto ao resultado, está tudo em aberto: nem a vitória do PSD é um dadoadquirido,nemaderrota do PS é inevitável. Montenegro tem um problema sério: o Chega. Se não conseguir concentrar votos, passando a mensagem do voto útil, não ganha a eleição. Pedro Nuno Santos tem um problema diferente: a imagem imatura que deixou no Governo não o ajuda a conquistar os eleitores moderados que confiavam cegamenteemAntónioCosta. Vaiseraeleiçãomaisdramatizada dos últimos anos.
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Aesteanovertiginoso nem sequer escapou a Igreja Católica. Pela negativa e pelapositiva, foi a instituição do ano. O relatório sobre os abusos sexuais destapou uma realidade que há muito se antecipava, mas que teimava em não ver a luz do dia. A verdade é cruel, mas é semprepreferívelàmentiraou à dissimulação. Assim se começou a pôr ordem na casa