Dar a mão à palmatória
Hora do ditado: uma catrefa de acentos, palavras difíceis e um nervoso miudinho. E depois, a palmatória nas mãos da professora, uma reguada por cada erro ortográfico. A palmatória, a “menina de cinco olhos”, peça circular de madeira com cinco buracos em cruz. Sobre a mão das crianças, doía que se fartava. Um castigo comum e aceite nas escolas nos tempos salazaristas. E finalmente, os exames da 3ª ou 4ª classe, o final da escolaridade para a esmagadora maioria dos alunos. Ficavam a saber ler qualquer coisinha, escrevinhar q.b. e até contar. Por paradoxo, estas vítimas da palmatória e dos exames eram uns privilegiados. Porque, em 1970, 25,7% dos portugueses eram analfabetos. Uma vergonha nacional, aceite com desinteressada resignação.
Mudam-se os tempos, mudam-se as pedagogias. O analfabetismo desceu para 3,1 % (há ainda mais de 200 mil portugueses que não sabem ler nem escrever) mas as pedagogias ficam para trás e os exames continuam meros exercícios mecânicos de rotinas. A luta dos professores, legítima, é sobretudo por aumentos salariais. Já não há palmatória mas até docentes que se prezam perdem ou ignoram o tempo e o espírito da arte de ensinar. Nos exames, uma série deles até ao 12º ano, os alunos formatados, génios ou não, bem ou mal ensinados, perdem ou ganham o futuro em duas horas. Os exames do 12º ano, antecâmara da Universidade, são simples muro de betão, intransponível para muitos. O Conselho Nacional de Educação, avisado, quer reduzir o peso dos exames nacionais no acesso ao Superior. Tão atreitos às comparações com o Norte da Europa, especialistas saudosistas esquecem-se de que na Finlândia, com um dos melhores sistemas de ensino do mundo, só há um exame nacional no fim do Secundário. Por lá, os alunos aprendem a aprender. Portugal é o único país da Europa com exames nacionais... no 4º ano. Seja quem ensina, seja quem manda e decide, vai ter de dar a mão à palmatória.
“Perder ou ganhar o futuro em duas horas…”