Correio da Manhã Weekend

Na Ilha de Moçambique

CAMÕES PASSOU POR ALI PELA SEGUNDA VEZ, DE 1567 A 1569, VINDO DE COCHIM, NA ÍNDIA, E ANTES DE REGRESSAR A LISBOA E DE VER O SEU LIVRO PUBLICADO EM 1572

- Camões 500 anos Por Causa Dele

Em 1971, a Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra convidara Jorge de Sena a visitar Moçambique. Aproximava-se o IV Centenário da publicação de ‘Os Lusíadas’ e, no ano seguinte, Sena vai da Califórnia (onde ensinava, em Santa Bárbara) a Lourenço Marques para falar do poeta e para visitar a Ilha de Moçambique (mais de 2 mil quilómetro­s a norte), onde Camões passou pela segunda vez, de 1567 a 1569, vindo de Cochim e antes de regressar a Lisboa e de ver o seu livro publicado em 1572.

Sena esteve lá em julho de 1972 na companhia do poeta Rui Knopfli (1932-1997). Foi no café Âncora d’Ouro – e num pequeno bloco de notas da Olympic Airways, como me contou o próprio Rui Knopfli – que escreveu o poema “Camões na Ilha de Moçambique”. O poema é maravilhos­o, à maneira de Sena: “Mas antes dele, como depois dele,/ aqui passaram todos: almirantes,/ ladrões e vice-reis, poetas e cobardes,/ os santos e os heróis, mais a canalha/ sem nome e sem memória, que serviu/ de lastro, marujagem, e de carne/ para os canhões e os peixes, como os outros./ Tudo passou aqui Almeidas e Gonzagas,/ Bocages e Albuquerqu­es, desde o Gama./ Naqueles tempos se fazia o espanto/ desta pequena aldeia citadina/ de brancos, negros, indianos e cristãos,/ e muçulmanos, brâmanes, e ateus.”

O fascínio pela Ilha de Moçambique marcou Sena como muitos outros. Foi aqui que esteve Tomás António Gonzaga a passar 10 anos de degredo, antes de sobre ela escreverem Alberto de Lacerda, Craveirinh­a ou Virgílio de Lemos e Mia Couto. Mas ninguém como Rui Knopfli, que nesse ano de 1972 publicou ‘A Ilha de Próspero’: “Retomo devagarinh­o as tuas ruas vagarosas,/ caminhos sempre abertos para o mar,/ brancos e amarelos filigranad­os/ de tempo e sal, uma lentura/ brâmane (ou muçulmana?) durando no ar,/ no sangue, ou no modo oblíquo como o sol/ tomba sobre as coisas ferindo-as de mansinho/ com a luz da eternidade.”

Mas 1972 é, como contarei na próxima semana, um ano de boas surpresas sobre Camões. Tudo por causa dele.

O fascínio pela Ilha de Moçambique marcou Jorge de Sena como muitos outros

“Tudo passou aqui – Almeidas e Gonzagas,/ Bocages e Albuquerqu­es, desde o Gama”

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FRANCISCO JOSÉ VIEGAS, ESCRITOR
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