O problema da tropa tem solução
Portas desmantelou o Serviço Militar Obrigatório (SMO) em 2004 para agradar às juventudes partidárias e atender à nova realidade de como fazer Defesa Nacional. Mas não reformou ou alterou o SMO: acabou com ele. Inventou um `Dia da Defesa Nacional', a que os meus alunos vão, ou por ser giro ir com os colegas, ou porque querem no futuro ser funcionários públicos. Nunca encontrei jovens realmente interessados nas Forças Armadas e na Defesa Nacional por ter participado no `Dia'. E não podem estar preparados minimamente para defender o país. Eles ignoram até quais são os ramos das Forças Armadas: Exército, Marinha e Força Aérea. É certo que era preciso mudar, não porque os pipis da JSD, da JS e da JC abominassem vestir a farda, mas porque o SMO tinha ainda o carácter dos tempos da guerra colonial, quando todos eram chamados, levando então centenas de milhares a sair do país.
Senti esse carácter quando cumpri 16 meses de tropa, em Santarém (1979) e em Lanceiros, Lisboa (1980). O exército tinha então gente a mais, muitos parasitas, muitos rapazes a alimentar o sistema que permitia vida boa a capitães, majores e coronéis, agora acantonados em quartéis. Como oficial miliciano, dei duas recrutas, que, é verdade, permitiam (era um argumento da elite política de então) a centenas de milhares de jovens fechados nas suas vilas e aldeias conhecer outras vidas, outras terras, outras cidades, as ilhas e o continente. E pude ver que esses jovens e suas famílias associavam o juramento de bandeira ao amor ao seu país, vindo as famílias de camioneta num país sem auto-estradas para assistir em Lisboa com tocante orgulho patriótico à cerimónia dos filhos.
O modelo foi, porém, interrompido, porque o exército, reformado aos poucos, não precisava nem precisa de tantos mancebos. E aí reside um problema que não se pode repetir. É que o SMO, para ser politicamente justo, tem de ser para todos — e as Forças Armadas, precisando de mais homens e mulheres, não precisam de todos. Já havia este problema de justiça quando, há mais de quarenta anos, escrevi um artigo de comentário, julgo que no Diário de Notícias, sobre o SMO. Dizia, e digo hoje, que o SMO só faz sentido se for conscrição universal, isto é, para todos, como quiseram os seus inventores, na Revolução Francesa. Quando eu fui tropa já não era universal: quase toda a minha geração não foi à tropa e pôde assim, por exemplo, ultrapassar-me no mercado de trabalho. Daí que Marcelo e os chefes militares tenham toda a razão dizendo que o SMO de conscrição não é solução. Faltou-lhes dizer abertamente que hoje o recrutamento de militares em número suficiente só assim se consegue: com dinheiro. Se a Pátria pagar bem, terá muitos e bons soldados.
O recrutamento só se consegue com dinheiro. Se a Pátria pagar bem, terá muitos e bons soldados