Poemas para serem cantados

Foi sempre complexa a relação entre a poesia publicada emlivrocomasletrasdascanções, que ganharam um estatuto reforçado com o movimento da canção de autor, sobretudo a partir do início dos anos 70 do século passado.

Manuel Alegre, que estudou e se formou politicamente em Coimbra, partindo para a guerra e depois para o exílio na segunda metade dos anos 60, deu um contributo essencial para que os textos de canção ganhassem estatuto literário, ao ser cantado por Adriano Correia de Oliveira e por José Afonso. Foi importante poemas de António Gedeão e de Carlos de Oliveira terem sido cantados por Manuel Freire, que fez de ‘Pedra Filosofal’ um êxito popular. Poetas com a qualidade de David Mourão-Ferreira e Alexandre O’Neill escreveram textos brilhantes para Amália Rodrigues.

O movimento da canção de autor levou poetas a quererem ser cantados por intérpretes de excepção, o que fez com que Fernando Assis Pacheco, com o texto de ‘Nini dos Meus 15 Anos’, ajudasse a criar um dos maiores êxitos da longa carreira de Paulo de Carvalho.

Ary escreveu algumas das melhores canções de sempre

Por outro lado, um escritor como Mário-Henrique Leiria, com quem trabalhei na redacção do ‘República’, tinha a intenção de escrever para ser cantado, o que não aconteceu, acabando por ter amplo reconhecimento com os seus contos lidos por Mário Viegas. Hélia Correia, hoje consagrada, escreveu para eu cantar ‘Arte Poética’, um dos temas mais cantados no ciclo da canção política.

Porém, quem deu o maior contributo para que o acto deescrever letras fosse reconhecido e consagrado do ponto de vista literário foi José Carlos Ary dos Santos, que escreveu algumas das melhores canções portuguesas de sempre, com destaque para ‘Estrela da Tarde’ e ‘Tourada’, na voz de Fernando Tordo, sem dúvida o seu maior intérprete. Ary tornar-se-ia mesmo o grande poeta das canções, associando-se à glória histórica do 25 de Abril com o poema longo ‘Portas Que Abril Abriu’.