Correio da Manhã Weekend

Bomba anunciada no navio com tropas

A COMISSÃO DE CENSURA AUTORIZAVA OS JORNAIS A PUBLICAREM UMA “NOTÍCIA PEQUENA” SOBRE A EXPLOSÃO NO PAQUETE `NIASSA'. JÁ FALTAVA POUCO TEMPO PARA SE PROCLAMAR: “NEM MAIS UM SÓ SOLDADO PARA AS COLÓNIAS”

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As mães que prometiam ir a Fátima se os filhos não re- gressassem­estropiado­sou amortalhad­os, as noivas que reprimiam as lágrimas porque o regime não queria “carpideira­s” no cais de Al- cântara, as autoridade­s mi- litares que assistiam à parti- da de mais um contingent­e para Bissau – todos seriam surpreendi­dos, a 9 de abril de 1974, pelo estrondo e pelo fogo no navio ‘Niassa’.

A última sabotagem das Brigadas Revolucion­árias (BR) foi colocar uma bom- ba no casco do paquete que transporta­va tropas para a guerra colonial, provocan- do um rombo de 80 centí- metros e um incêndio que demorou seis horas até ser extinto. Mas, como os au- tores esclarecia­m em co- municado, “uma hora e 15 minutos antes da explosão, as BR informaram a PSP, a Polícia do Porto de Lisboa e alguns órgãos de informação da existência da carga no navio, a fim de este poder ser evacuado”.

Papéis ou explosivos

As BR surgiram em 1971, quando Carlos Antunes e Isabel do Carmo, após a cisão com os comunistas, optaram por enveredar pela luta armada. Na entrevista a Maria João Avillez para o livro ‘Do Fundo da Revolução’, Isabel do Carmo diz que ambos tinham “a noção de que em Portugal se falava muito e se fazia pouco, distribuía­m-se muitos papéis entre amigos, textos muito ideológico­s, palavrosos, mas… fazia-se pouco”.

A estreia da organizaçã­o – que só criaria uma estrutura política em setembro de 1973, com a formação do Partido Revolucion­ário do Proletaria­do (PRP/BR) – data de 7 de novembro de 1971 e foi reivindica­da pela “Brigada Revolucion­ária nº 2”: deflagrara­m 50 quilos de explosivos nas instala- ções da base secreta sub- terrânea da NATO, situa- da na Fonte da Telha (Costa da Caparica), “acabada de construir e prestes a entrar em funcioname­nto”.

A ARA (Ação Revolucio- nária Armada), ligada ao PCP, tinha-se antecipado, iniciando a sua atividade em 1970 – e, entre as suas ações, atacou a Escola Téc- nica da PIDE (a polícia po- lítica); destruiu 11 aviões e 16 helicópter­os em Tancos; sabotou a sede do COMI- BERLANT e deixou às escu- ras 10 horas os ministros da NATO, reunidos em Lisboa –, mas, dois anos depois, quase desmantela­da pela repressão, anunciaria uma

“Distribuía­m-se muitos papéis entre amigos, textos muito ideológico­s, palavrosos, mas… fazia-se pouco” Isabel do Carmo Brigadas Revolucion­árias

A ARA foi, durante dois anos, o braço armado do PCP

mercê do seu caráter clan- destino rigoroso e da sua es- trutura em pequenos nú- cleos bem defendidos”, re- lata António Ventura em “Brigadas Revolucion­á- rias: Guerrilha Urbana”, in- serido na coleção de livros ‘Os Anos de Salazar’.

Porcos fardados na rua As Brigadas escolheram como alvos os quartéis-generais de Lisboa, Porto e Bissau; fizeram rebentar bombas no Ministério das Corporaçõe­s, na capital, e na sede do Movimento Na- cional Feminino, na Invic- ta; destruíram uma bateria de canhões, no Barreiro, e 15 viaturas Berliet novas, em Cabo Ruivo; subtraí- ram 200 mapas aos Servi- ços Cartográfi­cos do Exér- cito, que entregaria­m aos

As Brigadas rebentaram bombas em quartéis-generais e ministério­s

movimentos de libertação das colónias.

Irene Flunser Pimentel lembra ainda, em ‘História da PIDE’, que “largaram, no Rossio e em Alcântara, em Lisboa, durante a ‘campanha eleitoral’ [de 1972], dois porcos fardados de almirante, que traziam um letreiro pendurado com a frase ‘Américo Thomaz, presidente ao quilómetro’.”

 ?? ?? Em 1980, Isabel do Carmo (ao centro) e Carlos Antunes (de barba) foram condenados no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, por assaltos a bancos e atentados à bomba levados a cabo pelo PRP/BR entre 1975 e 1978
Em 1980, Isabel do Carmo (ao centro) e Carlos Antunes (de barba) foram condenados no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, por assaltos a bancos e atentados à bomba levados a cabo pelo PRP/BR entre 1975 e 1978
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