“Já tenho duas reformas nos Estados Unidos”
AOS 67 ANOS, O MAIS INTERNACIONAL DOS ATORES PORTUGUESES ESTEVE EM LISBOA PARA PROMOVER O SEU NOVO FILME, `O HOTEL PALACE' (ESTREOU ESTA SEMANA NAS SALAS DE CINEMA). UMA OPORTUNIDADE PARA FALAR DA RELAÇÃO COM O POLÉMICO REALIZADOR ROMAN POLANSKI, DO MOVIMENTO ME TOO, DO CASO DE NUNO LOPES E DO FUTURO
Quando, ainda no início da pandemia, um amigo pro- dutor o convidou para uma reunião online, Joa- quim de Almeida não sa- bia bem ao que ia. Mas quando se sentou em fren- te ao computador deu de caras com Roman Po- lanski. O reconhecido e polémico realizador pola- co, nascido em Paris, hoje com 90 anos, perguntou- -lhe se queria participar no seu próximo filme. O mais internacional dos atores portugueses mos- trou-se disponível, mas quis ler o guião. “Era uma coisa estranha e confusa. Provavelmente, se não ti- vesse sido pelo Polanski não o teria feito.” Mas aceitou – seria Dr. Lima, um cirurgião plástico brasileiro inspirado em Ivo Pitanguy, que o próprio Joaquim de Almeida conheceu, nos anos 90, durante uma viagem à ilha da ‘Caras’, no Brasil.
Apesar de nunca terem trabalhado juntos, Joaquim de Almeida conheceu Polanski há mais de 20 anos, quando o cineasta se deslocou a Portugal para acompanhar a mulher, Emmanuelle Seigner, durante as gravações de ‘Os Imortais’, filme de António-Pedro Vasconcelos que a atriz francesa protagonizou ao lado de Joaquim de Almeida. A rodagem de ‘O Hotel Palace’, que esta semana chegou às salas de cinema nacionais, decorreu no primeiro semestre de 2022, no Palace Hotel, em Gstaad, Suíça. O resultado é uma comédia negra, escrita pelo próprio Polanski, passada na festa de Ano Novo de 2000, e que é uma espécie de sátira aos ricos que frequentam esta zona dos Alpes suíços. Do elenco fazem parte outros nomes de respeito, como John Cleese, Fanny Ardant e Mickey Rourke.
As loucuras de Polanski ‘O Hotel Palace’ estreou no Festival de Cinema de Veneza, em setembro do ano passado. A crítica não tem sido meiga, caracterizando este como um dos piores trabalhos da carreira de Polanski. Joaquim de Almeida reconhece a “estranheza” que o filme provoca, tanto que, reforça, só o fez “porque é do Polanski”. Ainda assim, garante ter gostado de trabalhar com o franco-polaco. “Ele é um homem que, apesar da idade, está cheio de energia – mais do que eu! -, que sabe trabalhar os atores e tem um domínio da cena extraordinário. Farta-se de mandar vir e
“O guião era uma coisa estranha. Se não tivesse sido pelo Polanski não o teria feito”
dizer asneiras no ‘plateau’.” E nem as improvisações constantes abalaram a confiança do ator português de 67 anos. “Já nas filmagens, e com o texto decorado, ele decidiu mudar a língua em que falávamos. Uma loucura.” Mas há mais. “A Suzana Borges [atriz portuguesa] era para fazer de minha mulher, mas já lá na Suíça, e depois de já ter gravado uma cena, apanhou Covid. Teve de ser substituída. O Polanski foi buscar uma senhora que nem sequer era atriz e pô-la a representar. Foi inacreditável.”
A imprensa especializada diz agora que este poderá ser o derradeiro filme de Polanski. Joaquim de Almeida tem muitas dúvidas. “Só se não lhe fizerem um seguro para filmar. Porque, pelo que eu vi, ele continua pronto e com vontade de trabalhar.” Génio para uns, nome maldito para outros, a braços com a justiça desde 1978, depois de se ter confessado culpado de ter relações sexuais com uma rapariga de 13 anos – desde 2010, mais quatro mulheres vieram a público acusá-lo de assédio sexual quando ainda eram me
nores –, Polanski é um nome muito pouco con- sensual, mas, a esse nível, nenhuma dúvida pairou na cabeça do ator portu- guês na hora de aceitar este desafio. “Quem sou eu para julgar? A mim o que me interessa, neste caso, é o artista, a arte. E sinto o mesmo por parte de todas as pessoas que trabalham com ele. Há o maior res- peito. E, ainda por cima, ele foi desculpado pela se- nhora que o acusou. O que sinto é que depois houve muito aproveitamento.”
Os perigos do Me Too Neste ponto da conversa com a ‘Domingo’, realiza- da num hotel no centro de Lisboa, surge a oportunidade de falar do movimento Me Too, que ga- nhou visibilidade, sobre- tudo na indústria de Hollywood, em 2017, por causa das acusações de abuso sexual contra o pro- dutor de cinema Harvey Weinstein. “Acho que há muitos casos em que, efe- tivamente, existiram abu- sos intoleráveis por parte de algumas pessoas, mas também há muita gente a aproveitar-se disso. Veja- -se o caso do Nuno Lo- pes.” O ator português de 45 anos foi acusado de vio- lação, em novembro do ano passado, pela guionis- ta norte-americana A. M. Lukas. O caso remonta a 2006. “Claramente a se- nhora quer dinheiro. A queixa foi apresentada três dias antes do prazo de prescrição”, defende Joa- quim de Almeida.
A reforma e o futuro
A vida do ator continua a fazer-se, sobretudo, entre os EUA e a Europa. Agora com uma nova ‘almofada
“Quem sou eu para julgar [Polanski]? O que me interessa, é o artista, a arte”
“A senhora [que acusou Nuno Lopes] quer dinheiro. A queixa foi feita a 3 dias do prazo de prescrição”
“O Polanski foi buscar uma senhora que nem sequer era atriz e pô-la a representar”
“Não faço séries de 8 episódios em 3 semanas Preciso de tempo para desenvolver o trabalho”
financeira’ já que, final- mente, está reformado. “Em janeiro viajei para os Estados Unidos para tratar da questão da reforma. E já estou reformado. Tenho duas reformas”, conta Joa- quim de Almeida, que só avançou com os papéis de- pois de ter sido alertado pelo Sindicato dos Atores norte-americanos (SAG) de que estaria a perder dinhei- ro. Agora, recebe a reforma do Sindicato, que “é a boa”, e a do Estado, “que nem dá para viver”. “Estive sempre ligado ao sindicato norte- -americano de atores, algo que em Portugal não existe. Mas nos EUA, os produto- res, além do cachê, têm de pagar uma percentagem para o sindicato, através do qual depois temos um se- guro de saúde e o direito à reforma.” No ano passado, e ainda antes de avançar com o processo, o artista, a viver há mais de 40 anos em terras do Tio Sam, revelou ao ‘CM’ o valor: “Tenho direito a uma reforma na ordem dos 8500 dólares [cerca de 7633 euros mensais], é bom.”
Sobre o futuro, Joaquim de Almeida não tem dúvidas: quer continuar a representar durante, pelo menos, mais uma década. Mas deixa uma garantia: “só quero representar se não parecer ridículo, não quero fazer como alguns atores que até parece que estão a representar com um auricular”; e uma condição: “Não me convidem para fazer uma série de oito episódios em três semanas, preciso de tempo para desenvolver o meu trabalho, de condições.” “Esse tipo de trabalhos agora é bom é para o meu filho [Lourenço de Almeida], que está no Algarve a gravar em poucas semanas uma série do Joaquim Leitão [para a RTP].”
Já quando questionado sobre o facto de entrar em poucas produções nacionais, Joaquim de Almeida avança com uma explicação simples: não há dinheiro. “Não me pagam o suficiente para fazer grandes papéis.” Por isso, o objetivo é continuar a trabalhar mundo fora. “Agora vou para a Europa de Leste. Um realizador ligou-me e disse-me que gostava muito de mim e tinha criado um papel só para eu entrar no filme dele. Lá vou...”