Não pagam segurança social nem podem namorar
SÃO APRESENTADORAS, MODELOS, INFLUENCERS E PIVÔS... QUE NÃO TÊM EXISTÊNCIA REAL. FORAM CRIADOS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, MAS, À PRIMEIRA VISTA, NINGUÉM DIRIA. A INDÚSTRIA VAI RENDER MAIS DE 300 MILHÕES DE EUROS ATÉ 2027
Emily Pellegrini conse- guiu angariar 200 mil seguidores na rede so- cial Instagram em ape- nas quatro meses a pu- blicar os ‘looks’ do dia, fotos em biquíni, viagens pelo mundo, saídas com as amigas. Até poderia ser a vida ‘normal’ de uma jovem de 23 anos – que um seguidor considerou “a mulher mais linda, sexy, fofa, incrível, preciosa, maravilhosa, perfeita do mundo” – se Emily de fac- to existisse no mundo real. Só que não. Esta jovem só habita no mundo virtual – foi gerada por inteligência artificial (IA) depois de o seu criador ter pergun- tado ao ChatGPT qual seria a “mulher dos sonhos do homem comum”. Ao que parece, a ferramenta terá respondido que esta seria morena e teria o cabelo comprido. O ‘pai’ de Emily tratou de a desenhar de acordo com o descrito. “O objetivo era torná-la simpática e atraente. Queria mantê-la o mais real possível”, contou ao ‘Daily Mail’ o programador que preferiu não se identificar. Até esta revelação, ninguém suspeitava que Emily não fosse real.
“No início, eu trabalhava entre 14 e 16 horas por dia para descobrir que pro- gramas funcionavam melhor para o rosto e para o corpo da Emily, hoje tra- balho oito.” A influencer não posa só para fotogra- fias. Ela anda, dança, desfila, entra e sai da piscina. Antes de se saber que Emily era apenas uma presença virtual, recebeu muitas mensagens, “inclusive de pessoas realmente famosas como jogadores de futebol, bilionários, lutadores de MMA e tenistas”, contou o criador de Emily, explicando que a convidavam para viajar para destinos de luxo e partilhar refeições nos melhores restaurantes.
A morena também publica pornografia na plataforma Fanvue, uma espécie de OnlyFans, que, ao contrário do seu concorrente mais direto, permite que conteúdo gerado a partir de IA seja publicado na plataforma. Em novembro deste ano, as criações geradas por IA faturaram cerca de 15% dos rendimentos da plataforma Fanvue e, em apenas seis semanas, a modelo conseguiu arrecadar o equivalente a 10 mil euros, o que entusiasmou de tal forma o ‘pai’ de Emily que este tratou
...a da direita, Aitana Lopez, não existe na realidade. Foi criada por inteligência artificial (embora pareça real). À esquerda, a atriz Elena Morali é de carne e osso
de aumentar a família e ofereceu-lhe uma irmã, Fiona Pellegrini.
Não tiram folgas
A aposta do canal espanhol Telecinco não foi ‘roubar’ à concorrência a apresentadora do programa com melhores audiências. Em vez disso foi buscar às redes sociais uma influencer que tinha sido fabricada a régua e esquadro, literalmente, do zero, por uma empresa do grupo de comunicação espanhol Mediaset.
Alba, de 24 anos, foi desenhada em setembro do ano passado em Madrid e até já deu uma entrevista a falar do trabalho que tem feito desde que ‘nasceu’. Agora vai apresentar a rubrica semanal do reality show ‘Sobreviventes’, transmitida na televisão e nas redes sociais. No Instagram e no TikTok, onde se tornou famosa, faz publicações semelhantes às influencers de carne e osso. Partilha conteúdos sobre o dia a dia, dicas de moda, alimentação e viagens, além de que se mostra muito atenta às questões da sustentabilidade, inclusão e diversidade. Pro
Gerada por IA, Alba Renai vai apresentar reality show em Espanha e partilha o seu dia a dia, roupa e viagens nas redes sociais
“[Criámos Aitana] para não termos de lidar com pessoas que têm egos, manias e só querem ganhar dinheiro a posar”
Rubén Cruz Criador de Aitana
va disso é o facto de a 8 de março, nas suas redes sociais, esta mulher virtual ter deixado uma mensagem às mulheres... reais, em que enaltece a força, a coragem e a resiliência de todas.
Aitana López partilha com Alba a nacionalidade. É uma musa do fitness com mais de 300 mil seguidores no Instagram e um de vários casos de sucesso de uma indústria que, estima-se, vai render mais de 376 mil milhões de euros até 2027. Aitana é uma “alma virtual”, assume a própria nas redes sociais, mas o dinheiro que recebe pelas publicações é bem real: 10 mil euros por mês desde que se associou (ou a associaram) a marcas como Victoria’s Secret, Guess ou Brandy Melville. Foi esculpida pela agência espanhola The Clueless, que aponta como vanta- gens da influencer virtual não tirar folgas, nunca fi- car doente e não ter ma- nias de vedeta.
“Percebemos que muitos projetos eram cancelados devido a problemas fora do nosso controlo”, expli- cou à Euronews o funda- dor, Rubén Cruz. “Muitas vezes, era por culpa da influencer e não devido a questões de design”. Foi por isso que criaram Aita- na: para poderem “viver melhor” sem terem de li- dar com “pessoas que têm egos, manias ou que só querem ganhar muito di- nheiro a posar”.
Todas as semanas, a equipa reúne-se para decidir o que é que a influencer vai fazer, que locais vai visitar e que fotografias vai partilhar com os fãs – ela que alia a IA a uma equipa de especialistas em design. Consta que um conhecido ator latino-americano com milhões de seguidores lhe enviou uma mensagem a convidá-la para sair, desconhecendo que Aitana não existia de verdade.
Lil Miquela, de 19 anos, foi a pioneira de todas as modelos geradas por IA – chegou à Internet em 2016. Com 2,6 milhões de seguidores no Instagram, foi considerada pela ‘Time’ uma das pessoas mais influentes de 2018, trabalhou com a Prada, a Calvin
Klein, a BMW e fez uma campanha de regresso às aulas em que ‘beijava’ (tanto quanto é possível uma pessoa real beijar uma imagem virtual) a modelo Bella Hadid. Choveram críticas – mais pelo facto de duas mulheres se beijarem do que por uma não existir de verdade, mas já começaram a levantar-se preocupações éticas, até porque um estudo do Fórum Económico Mundial concluiu que a indústria virá a gerar 97 milhões de novos postos de trabalho.
E se for tudo virtual?
No início do ano, o Channel 1, um órgão de comunicação social norte-americano, anunciou que vai ser o primeiro canal de notícias feito inteiramente com inteligência artificial, com pivôs que não existem na vida real. Cada um terá a sua própria “personalidade, aparência e voz”, será possível ao telespetador escolher o pivô favorito para apresentar cada noticiário e ainda ouvi-lo em qualquer língua. Na Índia, desde o ano passado que a Odisha TV tem uma pivô de telejornal gerada por inteligência artificial, Lisa. Alvo de um estudo, concluiu-se que embora à primeira vista pareça humana, uma inspeção mais detalhada detetou um movimento lento das mãos, além de gaguejar em algumas frases.
Já a apresentadora virtual Ren Xiaorong garante ser capaz de responder a perguntas e transmitir notícias 24 horas por dia, 365 dias por ano, mas só fala sobre tópicos pré-estabelecidos e tudo o que diz está de acordo com a ideologia do Partido Comunista Chinês, que a ‘desenhou’. O ‘pai’ é que manda.
O Channel 1 americano anunciou o 1.º canal de notícias feito só com inteligência artificial