Um lar de má memória para centenas de famílias
AS LÁGRIMAS E O DESESPERO DAS FAMÍLIAS APANHADAS DESPREVENIDAS PELA ORDEM DE DESPEJO DOS EDIFÍCIOS DE CAMARATE FORAM TRANSMITIDAS EM DIRETO PELA TELEVISÃO
No fim da década de 70, a descolonização e o regresso de milhares de portugueses das ex-colónias à metrópole gerou uma profunda crise habitacional e levou à ocupação de espaços (até de forma ilegal) que muitas vezes não estavam habilitados nem ofereciam as condições necessárias para o alojamento familiar. Um desses casos foi o do Lar Panorâmico de Camarate.
Despejo em direto
Como medida de emergência, o antigo Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN) alugou dois grandes edifícios em Camarate para albergar deze- nas de famílias recém-che- gadas de Moçambique. A ideia era que ali ficassem apenas por algumas sema- nas ou meses, até que con- seguissem refazer as suas vidas e encontrar uma ha- bitação. Depois destas, ou- tras famílias foram chegando, sem controlo, e o Lar Panorâmico de Camarate acabou por continuar cheio de gente que não tinha para onde ir, mesmo após a ex- tinção do IARN, em 1981.
Em 1991, uma inquietante reportagem da RTP dava conta das condições deploráveis em que viviam seis centenas de pessoas, revelando que já ali teriam ocorrido três mortes, incluindo uma criança que ficou eletrocutada ao tocar num fio de eletricidade descarnado.
Os jornalistas despertaram para o problema quando a Fundação Santa Maria da Silva, proprietária do edifício, que nessa altura já não estava sob a vigência de qualquer contrato de arrendamento, re
Em 1991, uma reportagem da RTP dava conta das condições deploráveis ali vividas
correu aos tribunais para reaver a propriedade. Conseguiu a ordem de despejo e as televisões transmitiram quase em direto as lágrimas, o desespero, a retirada dos bens à pressa e as noites que se seguiram, passadas ao relento.
Melhor ou pior, a vida seguiu para todas aquelas pessoas, que a pouco e pouco encontraram casa em qualquer outro lugar. Já o edifício nunca mais foi ocupado, sendo agora apenas um mamarracho de má memória.