Correio da Manhã Weekend

Estratégia­s comunicaci­onais Falar duro ou falar fofinho

- Eduardo Cintra Torres ectorres@cmjornal.pt Texto escrito com a antiga grafia

Duas formas de comunicaçã­o alternativ­as chamam a atenção. Uma é a de Pinto da Costa, recandidat­o no FCP aos 86 anos, após 42 na presidênci­a, mais do que os 36 em que Salazar chefiou o Governo. A longevidad­e explica-se pelo número de troféus obtidos no seu reinado, como ele disse e repetiu na entrevista à SIC. Mas, a meu ver, ele juntou à capacidade de escolha de treinadore­s e jogadores, um jeito ímpar de comunicar. Mestre na ironia, dizendo o contrário do que está a dizer, e no humor fino, sabe exactament­e como atacar adversário­s, não à tareia como o `Macaco', mas com bisturi verbal. É um dos melhores comunicado­res do país das últimas décadas. Ou foi. Esse tempo está a chegar ao fim. A entrevista à SIC foi confranged­ora, à parte poucos momentos de ironia e humor.

Ao estar nas garras do `Macaco' e sequazes, ao deixar contas do clube sob suspeita, com o momento mau no futebol, com um treinador que a falar cria a cizânia mesmo se pretende o contrário, Pinto da Costa tem os factos contra ele e, assim, o modelo de comunicaçã­o deixa de funcionar. Parece apenas um homem velho procurando manter o lugar para evitar fraqueza perante eventuais investigaç­ões, presentes e futuras. Já nem funciona a sua sempre repetida vitimizaçã­o (o FCP vítima: de Lisboa; da Justiça; de Lisboa; dos árbitros; de Lisboa; do azar; de Lisboa…), que, no que toca a Lisboa, até foi verdadeira… mas já não. Ele parece estar no passado. As coisas apontam para que não morra no cargo, como, pelo que diz, gostaria que acontecess­e. Nem a Salazar isso aconteceu.

O modelo de comunicaçã­o alternativ­o é o de Rúben Amorim, treinador do SCP. Não ataca ninguém, não se vitimiza, não se excede, não usa recursos estilístic­os cuidados, a culpa é dele mesmo, ou dele e da equipa, as coisas corrigem-se, etc. É um modelo do tempo actual, fofinho, bem aceite, não cria cizânia, é encolher os ombros e tentar melhorar.

Por razões políticas e de estratégia comunicaci­onal, vejo semelhança­s entre estes dois estilos de comunicaçã­o individual do futebol noutra área da vida colectiva, a política. Pedro Nuno Santos também usa sempre a vitimizaçã­o (“chantagem!”), aparenta estar sempre à beira dum ataque de nervos ou de choro, tem uma prosódia desagradáv­el, tudo isso sem a sofisticaç­ão retórica de Pinto da Costa. É um discurso de espinhos, sem rosas. Já o governo no seu todo, por ser de minoria, adoptou a personalid­ade visível de Montenegro na sua comunicaçã­o política: não há problemas, há soluções, os adversário­s para dialogar, tanto que até governamos com 60 propostas deles, não há excitações, irritações próprias e doutrem, nem há vitimizaçã­o. São rosas sem espinhos. Veremos qual comunicaçã­o funciona melhor.

As coisas apontam para que [Pinto da Costa] não morra no cargo, como diz que gostaria

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal