O 26 de Abril
“A velha stôra que proíbe saias acima do joelho”
Quinta-feira, manhã chuvosa. Pela rádio, a mãe fica a saber que há tropas na rua. O rapaz, 16 anos, recebe conselho prudente. “Hoje ficas em casa!” É o ficas! Manuel arranca a correr para o Liceu Nacional de Sintra. Uma confusão. Não há aulas. Alguns alunos mais politizados, e uns quantos professores, comentam esperançosos os comunicados de um tal Movimento das Forças Armadas. É 25 de Abril de 1974. Para os jovens liceais, a Revolução começa a 26 de Abril. O chefe dos contínuos desaparece. “É bufo da PIDE!” Nunca se veio a saber se era verdade. O reitor e a direcção são saneados. Pela TV, perpassam soldados com cravos vermelhos nos canos das metralhadoras. No liceu, acaba logo a separação de rapazes e raparigas nos recreios. Na papelaria em frente vendem-se cigarros avulso. Primeira reivindicação: fumar dentro da escola. Muitos experimentam pela primeira vez uma “passa”... de tabaco. Começam as RGA (Reunião Geral de Alunos). Há cadernos reivindicativos. Professores mais velhos e conservadores desaparecem. A famigerada professora de
Ciências, docente à antiga, enche-se de brios e apresenta-se na escola. Um bruaá nos corredores. A velha stôra, pudorosa, que proíbe as meninas de usar saias acima do joelho e decotes supostamente ousados. A pretexto da sua asma, obriga a que se fechem todas as janelas em pleno verão. Uma tortura.
Manuel sorri ao saber que a direcção da Escola Pedro Nunes, em Lisboa, pediu esta semana aos pais para que os alunos usem “vestuário adequado” na escola, evitando “calções demasiado curtos e camisolas com excessivo decote”. Manuel recorda os dias primeiros da Revolução e a vingança dos alunos. Nevoeiro, janelas fechadas e toda a gente a fumar na sala de aula. Uma nuvem de fumo. E a stôra de Ciências, chorosa e a medo. “Importam-se de abrir uma janela?” Resposta cínica do chefe de turma, cigarro nos lábios. “Não pode ser! Está muito frio!”