Correio da Manha

O Nobel e as Mulheres

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Este ano o Prémio Nobel da Física foi atribuído a dois homens e uma mulher, por várias contribuiç­ões para a ciência, entre as quais a descoberta nos anos 80 de um novo tipo de laser que veio revolucion­ar a medicina. A precisão deste laser permite a sua utilização sem destruir nada à volta do ponto de contacto o que permitiu a sua aplicação na oftalmolog­ia mudando a vida a milhões de pessoas que puderam deixar de usar óculos de um dia para o outro.

A cientista que vai receber este prémio Nobel será a terceira mulher a receber o prémio Nobel da Física nos últimos 117 anos. Esta raridade não deve levar a juízos precipitad­os. Mas deve inquietar–nos, suscitando interrogaç­ões sobre a sociedade em geral e o mundo da ciência em particular.

Não deixa de ser revelador que Donna Strickland tenha tentado construir uma página Wikipedia em Maio deste ano tendo sido rejeitada com a seguinte resposta: “as referência­s apresentad­as não são suficiente­s para que esta página seja publicada”. O mais interessan­te é que o seu assistente homem já tinha uma página Wikipedia.

Entre 1901 e 2017 o Prémio Nobel só foi atribuído a 50 mulheres em 923 prémios atribuídos. Se excluirmos os prémios Nobel da Paz e da Literatura, apenas 21 mulheres receberam prémios nas ciências. Porque será? Qual a explicação para tal fenómeno?

Há dois anos conheci uma grande cientista chamada Jocelyn Bell Burnell que no início dos anos 1970 descobriu um novo tipo de estrelas chamadas “pulsar”. Qual não foi o seu espanto e decepção quando o prémio Nobel foi entregue em 1974 ao seu supervisor, que era um ho- mem. Este, ao receber o prémio, referiu–se a Jocelyn dizendo apenas que “ela era uma boa rapariga”. Dame Jocelyn Bell Burnell dedicou o resto da sua vida a ajudar outras mulheres cientistas. Nunca me esquecerei o dia em que me contou esta história.

Por isto e muito mais não podemos cruzar os braços e esperar que o problema se resolva: Temos de tornar as carreiras científica­s mais compatívei­s com um equilíbrio familiar, temos de garantir maior transparên­cia nas políticas salariais, temos que atrair mais mulheres para disciplina­s científica­s. Temos que garantir que qualquer pessoa com talento e vocação científica, independen­temente do género, tenha as mesmas oportunida­des para contribuir para o progresso da ciência. Esse é um trabalho de todos.

ENTRE 1901 E 2017 O PRÉMIO NOBEL SÓ FOI ATRIBUÍDO A 50 MULHERES EM 923 PRÉMIOS. E SÓ 21 RECEBERAM PRÉMIOS NA CIÊNCIA

TEMOS DE TORNAR AS CARREIRAS CIENTÍFICA­S MAIS COMPATÍVEI­S COM UM EQUILÍBRIO FAMILIAR (...) E ATRAIR MAIS MULHERES

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